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São mais de 800 os anos que a história de Sortelha preserva. Além de constituir uma das mais bem conservadas aldeias históricas de Portugal, ergue também o estandarte de representar uma das mais bonitas, sendo sem qualquer esforço capaz de transportar-nos no tempo até à era medieval

Fotos: Câmara Municipal de Sabugal

Olhamos, pois, em torno e, como que por magia, descobrimo-nos no topo de um alto rochoso onde D. Sancho II manda construir um castelo que virá a integrar a determinante linha fronteiriça de castelos defensivos. Será este o mais tardio castelo românico da Beira Interior, região tomada aquando da Reconquista Cristã e que D. Sancho I decidira repovoar. Será igualmente o seu neto (D. Sancho II) o responsável pela atribuição de foral à vila em 1228 e D. Fernando, já no século XIV, a mandar erguer uma cerca nova em torno da mesma. Construído sobre a antiga Pena Sortelha, como então era conhecida, o castelo encontra-se localizado sobre um maciço granítico 760 metros acima do nível do mar e que domina sobre o vale de Riba-Côa. D. Manuel viria, mais tarde, a renovar o foral da vila e a melhorar a construção. Castelo roqueiro, românico-gótico e com intervenção pontual manuelina, guarda assim a Torre de Menagem e a cisterna destinada ao abastecimento de água, sendo acompanhado por uma muralha rasgada por quatro portas e numa das quais se encontram esculpidos uma “vara” e um “côvado”, medidas padrão ali colocadas para que todos os que viessem à feira ali realizada utilizassem as mesmas medidas padrão. A defesa territorial passou algumas vezes pela realidade da vila de Sortelha, prolongando-se até momentos históricos como a Restauração da Independência, mais tarde, já no século XVIII contra o mesmo inimigo e, no século XIX, aquando da Guerra Peninsular contra as forças de Napoleão.

Raízes que permanecem vivas

A paz e a extinção de Sortelha enquanto sede de concelho provocariam um processo de decadência tanto da vila como do castelo, processo este que só conheceria um retrocesso quando, em 1910, a construção foi classificada como Monumento Nacional. Verificou-se, então, uma vasta intervenção de conservação e restauro. Ainda hoje, Sortelha mantém intactos os traços medievais das suas casas rurais em granito. Integrando a rede das Aldeias Históricas de Portugal, atrai agora milhares de visitantes por ano mas conta cada vez menos com habitantes que ali permaneçam. A origem do seu nome não é certa, havendo quem afirme derivar a palavra de Sortija, termo castelhano para anel. Ora este instrumento era, à época, muito utilizado em jogos medievais nos quais os cavaleiros tentavam enfiar as suas lanças. Depois há quem defenda que o nome surge de Sortel, palavra que define um anel de pedras com poderes especiais à semelhança dos anéis de feiticeiras, ou ainda de Sorte, uma pequena parcela agrícola, entre outras alternativas.

Visita obrigatória

Como sugestão de visita, será obrigatória a deslocação até à Antiga Casa da Câmara, no Largo do Pelourinho, cuja construção data do século XVI. No passado, a cadeia estava localizada ali, no piso inferior, tendo mais tarde este espaço sido transformado em escola primária, entretanto desactivada e constituindo agora a sede da junta de freguesia. Na arquitectura são incontornáveis algumas referências, como a Casa do Governador, a Casa dos Falcões, a Casa Manuelina, a Casa Árabe, a Igreja da Misericórdia, o Largo do Corro – um dos mais imponentes espaços de Sortelha, onde está situada inclusivamente a Casa Número I, datada do século XIII -, a Igreja Matriz, a Fonte da Azenha, a Fonte de Mergulho e a Residência Paroquial. Na muralha, não dispense a visita às diversas portas, à Torre do Facho (que através das chamas da fogueira que ali se ateava sinalizava a informação perigo para os castelos mais próximos) e à Torre Sineira. Próximo das igrejas, será impossível não reparar nos vestígios das sepulturas escavadas na rocha e com morfologia antropomórfica, oval e rectangular e de tamanho variável, muitas delas identificadas com uma estrela circular de pedra.

De lendas e de fantasia

Já com base nas lendas locais e nas histórias que, de boca em boca, nos chegaram através dos tempos, reconhecemos nos famosos penedos as narrações populares. É o caso do Beijo Eterno, que dizem as gentes imortalizar o sentimento de dois jovens de mundos distintos que se enamoraram um do outro. Reza a lenda que, ainda quando Portugal combatia pela reconquista aos mouros, a filha do alcaide de Sortelha se terá apaixonado por um príncipe mouro, trocando com ele mensagens e presentes e eventualmente marcando o famigerado encontro que haveria de eternizar a dupla. A mãe da donzela, sempre vigilante e também praticante de bruxarias, decidiu seguir a jovem. Ao avistá-la aos beijos ao mouro, a mãe amaldiçoou o casal de jovens, transformando-os em pedra, surgindo assim os curiosos penedos de Sortelha, que ainda hoje são conhecidos como as Pedras do Beijo Eterno. Já a formação “Cabeça da Velha” herda o nome da sua semelhança com a fisionomia de um rosto envelhecido. Todo o cenário envolvente de Sortelha abunda em formações graníticas de aspecto bizarro apelando assim à fantasia e tornando ainda mais especial esta aldeia tão tipicamente portuguesa que chama “lagartixos” aos seus habitantes em virtude da disposição das suas casas, que se encontram encostadas e assentes em penedos e bem expostas ao sol. Detida no tempo e com ruas e vielas tipicamente medievais que se encerram num círculo de muralhas e cujo traçado pouco se alterou nos últimos 500 anos, Sortelha é sem dúvida uma das mais belas povoações portuguesas.

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