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Terra de tradições ancestrais, de povos tão enigmáticos como majestosos, de riso fácil, de uma boa Guinness, do maravilhoso Irish stew e de lendas, de folclore, de riverdance e de histórias de resistência, a Irlanda é tudo isso e muito mais

Fotos Tourism Ireland

A Irlanda ou, mais justamente, Eire em gaélico, ergue-se debruçada para o Atlântico a oeste, vigiada a nordeste pelo Canal do Norte, a leste pelo mar de nome homónimo, a sudeste pelo Canal de São Jorge e a sul pelo Mar Céltico perfazendo assim aquela a que muitos chamam a Ilha Esmeralda dadas as vastas estepes verde-claras que a preenchem.

Nesta que é a terceira maior ilha da Europa, é fácil perdermo-nos na sua envolvência e, como em terra de duendes e druidas, viajarmos no tempo até aos dias em que o povo celta ali habitou, ainda antes do nascimento de Cristo, chegado da Península Ibérica na opinião de autores como Daniel Bradley, do Trinity College de Dublin, e o geneticista Bryan Sykes da Universidade de Oxford. Talvez seja, então, o já ancestral laço sanguíneo que nestas margens nos faz de imediato invocar eras que, apesar de não termos testemunhado, mais parecem despertar-nos nas entranhas quando pisamos determinados solos, com eles sentindo uma afinidade quase inexplicável. O sangue corre mais rápido veias fora e se a audição vislumbra o trotar de corcéis ou mesmo uma fílidh (harpa), uma flauta irlandesa, um bodhrán ou um uillean pipe, a imaginação dispara. Ao longe surgem de imediato druidas, guerreiros, a beleza dos símbolos traduzidos na arte celta e de profundo significado, todos envoltos na bruma própria desta terra, também ela muitíssimo enraizada em magia e encantamento.

Celebrações ancestrais

Nesse tempo o povo celta dividira a Irlanda em quatro províncias: Leinster, Munster, Ulster e Connacht e celebrava-se, então, o Beltane ou Bealtaine, festa que assinalava o Equinócio da Primavera por volta do primeiro dia de Maio, marcando o início do Verão com o objectivo de proteger o gado, as colheiras e as pessoas e incentivando também o crescimento e a fertilidade. Naquele tempo, dançava-se em torno de fogueiras, realizavam–se banquetes e decoravam-se portas, janelas, árvores e gado com as flores amarelas de Maio. Beltane era sobretudo um festival que celebrava a fertilidade, representando a união entre o masculino e o feminino, a fertilidade da terra, o fogo do deus celta Belenos e a sua luz e energia. Em Portugal, a Festa das Maias é uma celebração que remonta ainda à tradição celta e às suas raízes. Juntamente com Beltane, Litha, Lughnasadhaka, Mabon, Samhain, Yule, Imbolc e Ostara representavam as principais festividades anuais celtas, das quais algumas ainda hoje se assinalam. Por exemplo, a celebração do Imbolc, festa pagã celta em hora da deusa Brigid que marcava o ponto médio entre o Solstício de Inverno e o Equinócio da Primavera, é ainda assinalada no mundo actual entre 1 e 2 de Fevereiro no Hemisfério Norte como dia de Santa Brígida, padroeira da Irlanda, em Portugal dia da Candelária (ou de Nossa Senhora das Candeias) e, nas remanescências celtas, deusa da cura, das artes, da fertilidade, da poesia, da música, das profecias e da agricultura que na altura era celebrada como marco de esperança e de uma nova vida na Terra.

Terra de garra

De riquíssima herança cultural, a Irlanda foi e é pátria de autores internacionalmente reconhecidos como James Joyce, George Bernard Shaw, Oscar Wilde, Yeats, Samuel Beckett, C.S. Lewis, Jonathan Swift e Seamous Heaney, entre tantos outros. Imagine-se que foi aqui que nasceram os genes de obras como Gente de Dublin, Pigmaleão, O Retrato de Dorian Gray, À Espera de Godot, As Crónicas de Nárnia, As Viagens de Gulliver e Morte de Um Naturalista… A Irlanda é famosa pelo Book of Kells, o Grande Evangelho de São Columbano, principal peça do cristianismo irlandês e um dos mais sumptuosos manuscritos iluminados por monges celtas que chegou ao nosso tempo. Também na música e no cinema a Irlanda deu ao mundo bandas como os U2, os Cranberries, músicos como Sinéad O’Connor, Bob Geldof, James Galway, artistas como Peter O’Toole, Colin Farrell, Liam Neeson e Jonathan Rhys Meyers, para citar apenas alguns. Vive actualmente tempos áureos, com uma economia que é a que mais cresce na Europa, com previsão de um desenvolvimento na ordem de 5.1% para 2022 e onde o salário mínimo ronda os 1.656 euros com a maior parte da população a desfrutar de elevada qualidade de vida, tendo sido deixados para trás os tempos de bancarrota da qual se levantou exibindo, em menos de dois anos, um crescimento de 7% no primeiro trimestre. Do espírito empreendedor e perseverante virá certamente metade do crédito de tamanha façanha e, quem sabe, da herança da fibra dos autênticos guerreiros que estiveram na sua origem. Com níveis de ensino primário, secundário e superior gratuito para todos os cidadãos, a Irlanda afirma-se sobretudo um país progressista, tendo sido o primeiro a legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo e sendo em 2011 classificado como o mais caridoso da Europa e o segundo do todo o mundo.

Dublin, Cork, Limerick e Galway

Morada do Rio Shannon, o mais extenso das Ilhas Britânicas, acolhe também o Liffey, que ao desaguar no mar da Irlanda, em Dublin, forma a baía da capital, a Irlanda encanta também pelos lagos, ou loughs, que se situam principalmente na região ocidental e dos quais se destacam o Ferg, o Ree e, no sudoeste, os lagos de Killarney (Lower, Muckross e Upper). As suas cidades mais populosas são Dublin, nome que deriva de Dubh Linn (lago negro) e onde os irlandeses assistiram à primeira conquista inglesa sob a dinastia Tudor, tendo na década de 1960 testemunhado também um enorme processo de restauração da própria cidade, que hoje se apresenta como a porta de um país que cresceu manifestamente nos últimos 30 anos e que representa actualmente uma das 20 maiores economias mundiais.

Segunda maior cidade irlandesa, Cork representa um importante centro educacional nacional, com a University College of Cork, o Cork Institute of Technology, o National Maritime College of Ireland e o Cork School of Music, entre outros, a atrair estudantes de todo o mundo e onde a vida cultural é absolutamente palpitante, apresentando uma diversidade cultural também adquirida com a chegada de imigrantes. É também em Cork que tem origem o European Long Distance Path, E8, com 4700 quilómetros, e que liga Cork através da Europa até à Turquia.

Limerick terá sido fundada em 812 pelos vikings junto ao estuário do Rio Shannon, na província de Munster, tratando-se de uma das mais antigas cidades irlandesas, com foral mais antigo do que Londres, datado de 1197. Foi aqui que, em 1943, terá nascido o famoso irish coffee e o seu nome é muitas vezes associado à palavra homógrafa britânica (em português quintilha cómica); ou seja, o verso curto e humorístico e cuja origem se acredita permanecer como herança do coro da canção dos soldados irlandeses do século XVIII Will you come up to Limerick?

Famosa pelo Festival Capital of Ireland, que congrega cerca de 12 festivais e eventos por ano, Galway é uma cidade em tudo à parte do que se poderá esperar. Um dos mais antigos monumentos que ali encontramos é o Turoe Stone, perto de Loughrea, uma pedra granítica com arte celta datada de 200 a.C. e que recorda o passado céltico irlandês quando estes ali chegaram, trazendo consigo a língua, a escrita, o folclore e a música. Conhecida como “a cidade das tribos”, Galway foi originalmente uma aldeia piscatória vivendo tempos de crescimento no século XIV, quando Ricardo II transferiu poderes governativos para 14 famílias de comerciantes da cidade. Cada uma destas 14 tribos manteve independência, permanecendo no entanto respeitosa perante a ligação à coroa britânica. Hoje a cidade é ainda apelidada como “a cidade das tribos” e os nomes das mesmas estão agora representados nas rotundas da própria cidade, pelo que os nomes Athy, Blake, Bodkin, Bowne, Darcy, Deane, French, Font, Joyce, Kirwan, Linch, Martin, Morris e Skerrett dificilmente sairão da memória de quem a visita. A sua localização estratégica viria a possibilitar o comércio marítimo com Portugal e com Espanha, o que levou também ao seu crescimento e prosperidade até que, com a chegada de Cromwell, entrou em declínio. Passaria muito tempo até que Galway voltasse a desfrutar de tempos tão ricos, mas o legado da longa história desta cidade é ainda evidente no seu carácter e estilo arquitectónico. A província em que se insere – Galway – encontra-se preenchida pelo que resta de inúmeros castelos e casas senhoriais reinando ainda sobre paisagens absolutamente deslumbrantes. São mais de 200 castelos que aqui poderemos apreciar, alguns em ruínas e outros completamente restaurados, todos com impressionantes histórias a narrar, e dos quais são exemplo o Dunguaire Castle (o mais fotografado de toda a Irlanda).

Regressamos às memórias e, se recuarmos um pouco mais, surgem as fadas e os duendes, as lendas de changelings, crianças trocadas pelas primeiras por seres humanos, dos filhos de Lir, que transformados em cisnes por uma cruel madrasta esperaram 900 anos até que São Patrício os libertasse do feitiço; dos Shamrock (trevos de três folhas), um dos principais símbolos da Irlanda, que representam a sorte e uma planta sagrada já que os celtas reverenciavam o número três.

Como diria Yeats, o mundo está cheio de coisas mágicas, aguardando pacientemente que os nossos sentidos se tornem mais aguçados. Acrescentaríamos que na Irlanda isso, de facto, acontece.

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