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Iniciou a sua aprendizagem na navegação aérea com apenas 16 anos. Um dia chegou a casa e anunciou a uma mãe feliz que tinha acabado de vender a moto… para tirar a licença de piloto privado!

Fotos:  Hi Fly, Marc Bow e Atmosfia

Se a mãe ficou aliviada com a primeira notícia, com a segunda ficou aflita, tendo por isso representado o principal obstáculo ao abraçar de uma carreira que se revelaria formidável e que hoje faz situar em Portugal o primeiro piloto do mundo a aterrar um Airbus 340 na Antártida. No passado mês de Novembro, Carlos Mirpuri (vice-presidente e co-fundador da Hi Fly) partiu da África do Sul rumo ao continente branco necessitando apenas de cinco horas para cumprir um percurso novo e aterrar uma aeronave com peso máximo permitido para esta operação na pista esculpida em gelo azul (Pista Wolf’s Fang) da Antártida. Nunca ali aterrara um A340. A operação foi um sucesso.

Como surgiu a ideia de pilotar um Airbus A340 até ao Continente Branco? Tratou-se de uma solicitação realizada por parte de um cliente ou foi um projecto da responsabilidade da Hi Fly?

O voo decorreu de uma solicitação comercial da White Desert (especializada em viagens na Antártida).

Porquê recorrer a um A340 para estabelecer esta rota?

Pela redundância de quatro motores, pela capacidade de payload, por poder efectuar a operação sem abastecer em WFR e pela performance de pista.

Este voo implicou alguma tomada de medidas extraordinárias? Há algum perigo ou dificuldade acrescida numa semelhante rota?

Em aviação, o que fazemos diariamente é identificar e controlar os riscos, que estão sempre presentes, e este caso não é diferente. Ao decidirmos levar a cabo a operação, significa que conseguimos ter os riscos identificados absolutamente controlados e nesse sentido não faz sentido falar de perigo. O avião não sofreu qualquer modificação.

Quais são as diferenças entre pilotar um avião numa rota com a qual se está mais familiarizado e que para a generalidade das pessoas possa ser mais habitual e pilotar rumo à Antártida?

Numa rota em direcção ao Pólo Sul recorremos a métodos de navegação polar quando abaixo de 60 graus de latitude sul. Outro aspecto são as baixas temperaturas exteriores e a necessidade de manter sob apertada monitorização a temperatura do combustível. Por vezes pode ser necessário ter de fazer uma descida para nível de cruzeiro mais baixo.

Sendo pioneiro a levar um avião desta dimensão até ao glaciar, como se sentiu?

Senti-me imensamente orgulhoso daquilo que há décadas temos vindo a fazer no campo da aviação comercial e sem dúvida que este foi um dos momentos mais gratificantes da minha carreira como piloto de linha aérea.

Temos consciência que dada a luminosidade naquelas margens não é fácil avistar a pista de aterragem. Pode partilhar como foi esse momento?

A área foi estudada com o maior rigor. A sul da pista há formações rochosas que emergem do mar de gelo, são as chamadas nunataks. São uma referência, já que identificar uma pista de gelo rodeada de gelo é praticamente impossível a não ser já bastante perto, principalmente quando se trata de um primeiro voo. Por isso tudo foi executado com a antecipação necessária para assegurar que quando eu tivesse a pista à vista o avião estivesse configurado para a aterragem. Tudo decorreu exactamente como planeado.

Já tinha visitado este território?

Já operei em todas as regiões de navegação aérea do globo e estive em todos os outros continentes, mas esta foi a primeira vez que pisei o solo da Antártida.

É um apreciador de espaços naturais? Aventureiro? O que mais o atraiu neste projecto?

Sim! Muito! Adoro particularmente o mar mas, neste caso, poder pisar um gelo com 800 mil anos que cobre um continente maior do que a Oceania é algo que não se compara com nada do que alguém possa ter feito.

Para uma pessoa como o Comandante, que começou a voar com apenas 16 anos, o que significou este momento na sua vida?

A sensação é que pouco ou nada fica por fazer depois de uma missão desta grandeza. Aterrar um quadrireactor numa pista de gelo glaciar, não ver uma aeronave, não ter que ser sujeito ao controlo de passaportes, não haver uma torre de controlo, é uma sensação de liberdade quase indescritível. Quase não há palavras…

Sendo a indústria de aviação altamente poluente, e encontrando-se a Antártida numa situação de ameaça em virtude das alterações ambientais, como encara a realização deste voo e a prossecução de outros no futuro?

Este voo foi um importante contributo para a contenção das alterações ambientais. Tudo aquilo que foi transportado num voo deixaria um carbon footprint bem maior recorrendo aos meios tradicionais anteriormente usados, por barco e via terrestre.

Qual poderá ser a importância de um papel a desempenhar pela aviação civil no que diz respeito a esta matéria?

Os aviões poluem uma pequeníssima fracção daquilo que é emanado para atmosfera e para o ambiente. Mesmo assim, os aviões estão cada vez menos poluentes e mais eficientes.

O que mais o impressionou nesta viagem?

Foi o constatar que o trabalho que se desenvolve na Antártida se faz com o maior respeito pelas questões ambientais. Não podemos preservar algo que não conhecemos.

De acordo com as informações disponibilizadas pela Hi Fly, prevê-se que esta rota venha no futuro servir o transporte de cientistas até à Antártida. Será necessário utilizar um avião tão grande? Pode partilhar connosco que projectos científicos estão já previstos?

Sabe que um avião pequeno acaba por causar maior impacto ambiental. Os voos realizam-se em número limitado, controlado e somente durante os meses de Novembro a Fevereiro.

Como homem viajado que certamente será, gostávamos de saber qual é o seu “recanto” preferido do mundo, qual o ambiente que mais aprecia de todos os que teve a felicidade de conhecer e se existe ainda algum ponto no planeta que esteja na “lista” das viagens que ainda não tenha realizado.

Um dos sítios de que mais gosto é das Maldivas. O mar, a tranquilidade, os luares de prata e as noites quentes preenchem-me. Quanto à minha lista, depois da viagem à Antártida posso dizer que pouco resta… mas explorar o Alasca é algo que espero poder fazer um dia, com tempo.

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