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Em plena Andaluzia, entre Sevilha e Málaga, erguida bem no alto de um desfiladeiro de cerca de cem metros, Ronda representa uma das mais célebres cidades espanholas, destino que apaixonou autores de inigualável talento e incendia ainda a imaginação de qualquer viajante 

Foto: Journeys Global Group/D.R.

“Procurei a ‘Cidade dos Sonhos’ por toda a parte e encontrei-a aqui, em Ronda.” As palavras são de Rainer Maria Rilke, o famoso poeta austríaco que viveu nos séculos XIX e XX e que ali morou entre 1912 e 1913. Dos dias que passou nesta cidade andaluz ficando alojado no hotel Reina Victoria resta agora pouco mais do que uma memória: uma mesa, uma cadeira e uma estante que se encontravam no famoso quarto 208 e que daqueles tempos já só guarda a maravilhosa paisagem. Borges e Rilke não foram os únicos a deslumbrar-se com esta cidade malaguenha de forte influência árabe nascida enquanto tal na era romana mas cujos ancestrais remontam à época neolítica, como provam as pinturas rupestres desvendadas nas suas grutas. Também os celtas, os gregos e depois dos romanos os suevos, os bizantinos e os muçulmanos com esta região se deslumbraram, tendo sido estes últimos a marcar a presença mais prolongada nestas paragens e devendo-se a eles o crescimento que tornou Ronda a capital da província da Andaluzia, então sob o nome de Takurunna.

A incontornável influência árabe

Da presença árabe restam inúmeros monumentos no seu centro histórico, com especial destaque para os Banhos Árabes, que datam do século XIII e estão entre os melhor preservados em toda a Andaluzia. Toda a sua arquitectura impressiona, mas talvez ainda mais marcante seja a massiva muralha que cerca a parte antiga da cidade e que se acede passando por dois antigos portões: a chamada Puerta de Almocábar, que no já referido século representava o único acesso ao castelo. No seu interior permanece intacto o labiríntico entrelaçamento islâmico de ruas apertadas, entretanto preenchidas com mansões da renascença próprias das famílias abastadas cujos antepassados acompanharam Fernando, o Católico, quando em 1485 tomou a cidade instalando-se ali um novo núcleo cristão e dando-se também início a uma nova era de florescimento. Da era árabe data também a Puente homónima, uma das três ali existentes e a mais antiga de todas, recordando a presença islâmica e a época em que se destacou como importante centro cultural onde abundavam as mesquitas e os palácios. Com a conquista da cidade pelos Reis Católicos, seriam inúmeras e profundas as transformações económicas e culturais que ainda hoje podemos testemunhar na estrutura urbana. Nasceram as praças e novos edifícios como o Palácio Mondragón, as Igrejas de Santa Maria La Mayor, do Espírito Santo, de Santa Cecília, os Conventos de la Merced e de São Francisco, o Templo da Virgen de los Dolores ou a ermida escavada na rocha e consagrada à Virgen de la Cabeza. Da presença cristã datam a fundação da Real Maestranza Cavalaria, a Praça de Touros, construída dois séculos mais tarde e um dos mais antigos edifícios espanhóis, e ainda o Palácio do Marquês de Salvaterra.

Numa situação geográfica privilegiada

Construída no topo de uma montanha na província de Málaga, Ronda impressiona acima de tudo dadas as suas condições geográficas, debruçando-se sobre um profundo desfiladeiro que separa a cidade nova (do século XV) da velha. A Puente Nuevo, que estabelece a ligação entre as partes nova e antiga da cidade vigia ainda o precipício sobre o Rio Guadalevín. Nos séculos XVIII e XIX, Ronda passaria a representar um importante enclave no sul da península. A sua associação como ponto estratégico de ataque por parte de bandidos e a fama da cultura tauromáquica que ali se desenvolvia incendiaram profundamente o imaginário de viajantes que ali se dirigiram, vindo depois a apaixonar-se perdidamente pelas suas paragens.

Um lugar especial nos mundos de autores como Orson Welles e Ernest Hemingway

No local onde, em finais do século XVIII, se afirma terem nascido as touradas cresceu também a fama do típico casario andaluz que despertou a paixão de autores mundialmente reconhecidos como Orson Welles ou Ernest Hemingway e que captou o interesse de outros tantos, como James Joyce. O primeiro terá sido amigo próximo do toureiro Antonio Ordóñez, que em Roda tinha uma casa que o autor de A Guerra dos Mundos terá visitado. Terá sido no Recreo de San Cayetano, entre Ronda e Campillos, que depois de afirmar por várias vezes ter vivido naquela cidade os momentos mais felizes da sua vida, Orson Welles pediu para ser sepultado. A man does not belong to the place where he was born, but where he chooses to die, diria o génio de Citizen Kane. A vontade foi cumprida e se em tempos foi difícil encontrar a fazenda em causa, agora o mesmo não sucede já que foi transformada num hotel por onde já passaram celebridades como Lola Flores, Adrien Brody ou Mario Vargas Llosa. Hemingway enamorar-se-ia de Ronda por via da mesma família que em tempos estabelecera uma profunda amizade com Welles. A cidade e a cultura tauromáquica viriam a inspirá-lo na criação de obras como Por Quem os Sinos Dobram e Morte à Tarde e em Ronda podemos encontrar o Paseo de E. Hemingway, um dos mais belos caminhos ali existentes e que poderá estar na génese de uma das suas afirmações acerca deste lugar: Ronda is the place where to go if you are planning to travel to Spain for a honeymoon or for being with a girlfriend. The whole city and its surroundings are a romantic set.

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