É mesmo assim, não se trata de ficção nem de bruxarias. As aldeias destas ilhas em tudo diferentes das demais nasceram no seu centro mas em virtude do permanente movimento de oeste para leste das ilhas encontram-se agora muito mais próximas do extremo ocidental das mesmas
Foto: Netherlands Board of Tourism & Conventions
Integrando o arquipélago das Ilhas de Wadden, no limite oriental do Mar do Norte, que se estende desde o noroeste da Holanda até à Dinamarca passando pela Alemanha, as Ilhas Frísias representam a pátria do povo frísio, cuja língua é falada até aos nossos dias. O mais antigo registo desta etnia é referido por Tácito, um dos grandes historiadores romanos, em De Origine et situ Germanorum, onde alude a um povo de marinheiros que povoaram as terras em torno do Mar do Norte e cujas colonizações terão deixado vestígios em Inglaterra, na Escócia, Dinamarca, Alemanha, Bélgica, França, Itália e nos Países Baixos. Em 12 a.C. terão sido conquistados pelo general romano Nero Cláudio Druso, juntando-se muito mais tarde, no século V, à emigração dos anglo-saxões, chegando até Bruges, já no século VII, e convertendo-se depois ao cristianismo sob influência do Reino Franco.
O nascimento das ilhas
Há aproximadamente 12 mil anos, aquando da última era do gelo, parte do que é actualmente o Mar do Norte constituía terra seca, já que o nível das águas se encontrava 60 metros abaixo do ponto actual, subindo depois em virtude do derretimento das calotas polares. Aquando do início do Holoceno, há sete mil anos, atingir-se-ia, então, a linha actual costeira, com a acção das marés a transportar quantidades significativas de areia que viriam assim a formar uma linha de dunas que, depois de o mar romper, se transformariam nas famosas Ilhas de Wadden. A construção de represas iniciar-se-ia por volta do ano 1000, com um papel preponderante a ser desempenhado pelos monges do Mosteiro de Aduard, sendo que no final da Idade Média as inundações haviam já diminuído francamente graças ao fortalecimento do sistema de diques. A recuperação de terra prosseguiria a partir do século XVII, atingindo o seu pico mais tarde, já nos séculos XIX e XX.
Migração de aldeias
Como aspecto absolutamente curioso mas ilustrativo das condições naturais, é evidente o lento mas contínuo movimento das próprias ilhas, podendo-se inclusivamente referir o termo migração quando a elas nos referimos, sendo clara a deslocação de oeste para leste, com a maioria daquelas que se localizam no extremo ocidental a mergulhar lentamente e o surgimento de bancos mais consistentes a leste. Por consequência, também as aldeias se tornaram móveis ou poderemos até dizer “migrantes”, a maioria encontrando-se agora no ponto oeste de cada ilha, tendo sido fundadas no centro e vendo-se, séculos depois, cada vez mais próximas do seu extremo ocidental e, por consequência, do inevitável afundamento.
As Frísias holandesas
Formando uma entidade natural única e uma região holandesa distinta, as ilhas de Texel, Vlieland, Terscheling, Ameland e Schiermonnikoog formam uma barreira natural entre a costa frísia e o Mar do Norte, situando-se nos lodaçais do Mar de Wadden, Património Mundial da UNESCO desde 2009. Ali é possível realizar caminhadas com guias profissionais e assistir ao desfilar de aldeias, pólderes e pântanos salgados que circundam as ilhas ao longo das suas margens à medida que as faixas de praia e de dunas se entrelaçam com o mar. No seu interior impressionam-nos as extensas florestas e charnecas entrecruzadas com trilhos para caminhadas e passeios de bicicleta. Povoadas há mais de mil anos, estas ilhas foram não raramente vítimas dos caprichos da Natureza, enquanto o mar arrasava cidades, eliminando-as do mapa e as areias movediças alteravam o terreno, mas por mais assustador e desafiador que parecesse, os seus habitantes ali se mantiveram, agarrados à pesca e à caça da baleia como meio de subsistência.
Território que reúne três países distintos
Oferecendo uma enorme e maravilhosa diversidade paisagística que varia entre praias, dunas, florestas e pólderes, as ilhas em conjunto com os pântanos do Mar de Wadden representam uma reserva natural protegida e que reúne a cooperação entre os países que partilham aquela região (Holanda, Alemanha e Dinamarca). Os terrenos pantanosos representam um verdadeiro paraíso para espécies aquáticas como caranguejos, mexilhões e ostras e atraem cerca de 12 milhões de aves, representando para 34 destas um ponto de paragem nas respectivas rotas de migração. Durante a maré baixa há áreas que se mantêm secas permitindo a passagem a pé desde o continente até às ilhas ou entre si. Os holandeses chamam wadlopen a esta prática, que deverá sempre ser realizada na companhia de um guia experiente, já que a qualquer momento nos podemos deparar com a subida da maré e ninguém desejará ser surpreendido com a chegada do mar a meio de semelhante caminhada. Outro aspecto muitíssimo curioso é a diferença que se nota entre a cultura e a língua do continente e as das ilhas, onde se fala frísio, uma língua germânica com forte semelhança com o inglês e onde este terá também bebido influências, aquando da invasão viquingue. Também nestas ilhas encontramos pratos e bebidas que só ali existem, como o queijo de algas, em Vlieland, os arandos de Terchelling e a cerveja de Texel, que entretanto se tornou muito popular em toda a Holanda.
Texel
A maior e mais diversificada ilha holandesa do arquipélago de Wadden, Texel conta com 30 quilómetros de praia, sete aldeias típicas cada uma mais encantadora do que a anterior e uma reserva natural absolutamente maravilhosa, constituindo o pitoresco farol e os milhares de ovelhas a sua imagem de marca. Localizado no Parque Nacional das Dunas de Texel, o Museu Ecomare proporciona conhecimento acerca da formação da ilha, constituindo, no entanto, as focas, os botos e as focas cinzentas o seu principal ponto de atracção. A Reserva Natural de De Slufter representa a única região holandesa que o Mar do Norte penetra sem qualquer tipo de controlo humano, tendo já sido realizadas várias tentativas de reclamar este pântano salgado ao mar e de transformá-lo num pólder, mas sem sucesso dada a força das marés. Em virtude deste facto, a Natureza revela-se aqui em todo o seu esplendor representando a ilha um ponto de referência para a observação de aves.
Vlieland
Ilha paradisíaca quase sem automóveis, Vlieland situa-se num ponto onde a Natureza se faz sentir em toda a sua grandeza, oferecendo a aldeia também uma diversidade cultural e culinária extraordinárias. Nesta ilha, que é a mais distante do continente, a paz é uma verdadeira constante, o ambiente é harmonioso e é também aqui que se pode visitar o chamado “Sahara do Norte”, na região ocidental. Percorrida por poucos quilómetros, o ponto alto desta ilha será necessariamente a realização de passeios de barco para observação das focas ou o safari através das maravilhosas planícies de areia.
Terschelling
A segunda maior ilha da Frísia Ocidental, Terschelling detém o mais antigo farol da Holanda, o Brandaris, que data de 1594, mantendo-se em funcionamento até aos nossos dias, e que embora não esteja aberto ao público vigia praias de uma beleza absolutamente inebriante do alto dos seus 55 metros de altura focal. A especialidade culinária que destaca a ilha são os arandos, bastante famosos nesta região, recomendando-se vivamente o chá ou o bolo com compota deste fruto. É também aqui que durante o Festival Cultural de Oerol, que decorre anualmente ao longo de dez dias em Junho, que toda a ilha se transforma num verdadeiro palco – com peças de teatro e concertos a decorrer em cada recanto e exposições muitíssimo interessantes a realizar-se também em toda a ilha. O principal desporto ali praticado é a vela e o kitesurf em virtude do vento, que é constante.
Ameland
Também conhecida como o “Diamante de Wadden”, o Ilha de Ameland destaca-se não apenas pelas condições naturais de que dispõe, mas ainda pela beleza das suas pequenas aldeias e pela oferta cultural ali presente. Em Ameland assiste-se mensalmente às demonstrações de resgate a cavalo, que ilustram uma prática ancestral na qual os ilhéus se dirigiam a cavalo até às praias para ajudar a salvar marinheiros cujas embarcações se encontravam em dificuldades graças às fortes tempestades. Ainda hoje se recordam esses dias e os proprietários de equídeos treinados para este efeito mostram assim como é que no passado se realizavam as missões de salvamento que evitavam inúmeros afogamentos. Os cavalos são, de resto, uma presença permanente ao longo da ilha, tendo representado no passado um forte aliado dos seus habitantes no desempenho de tarefas nas quintas e também para outros efeitos. Em Ameland também é possível subir ao farol (56 metros de altura) e desfrutar de uma vista absolutamente esmagadora, mas no Diamante de Wadden as especialidades culinárias merecem igual destaque. A cerveja de Ameland, o licor de arando, o mel, o queijo e o pão de centeio são apenas alguns dos produtos tradicionais que seduzem o mais exigente palato.
Schiermonnikoog
A mais pequena de todas, com apenas 16 quilómetros de extensão e quatro de largura, esta ilha conta apenas com uma aldeia, homónima da ilha, e um lugar verdadeiramente encantador com casas restauradas e das quais algumas datam ainda do início do século XVIII. Apesar de pequena, Schiermonnikoog goza de uma Natureza muito rica e diversificada onde encontramos floresta, dunas, pólderes, pântanos salgados, lodaçais e pequenos lagos e em virtude desta diversidade de paisagens a ilha foi tornada parque nacional em 1989. Ao longo do ano esta mesma diversidade geográfica atrai ali cerca de 300 espécies de aves.
Como sucede em muitos territórios, as Ilhas do Mar de Wadden encontram-se ameaçadas pelas alterações climáticas. À medida que os níveis da água vão subindo e que a areia vai sendo arrastada, o seu desaparecimento pode, de facto, ocorrer em poucas décadas. Os efeitos do aumento do nível das águas do Mar de Wadden está neste momento limitado, mas a sua subida pode alterar dramaticamente o futuro destas ilhas remotas e paradisíacas.