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Uma professora de francês atravessa-se no nosso caminho. Brasileira de Curitiba, visita Paris com vários parágrafos, conteúdos que organiza em folhas A4 dobradas e já encarquilhadas algumas vezes na mochila

Texto: Alexandra Baptista  Foto: D.R.

Usa a mochila ao contrário, sem qualquer tipo de preconceito. Não é nova. Tem muito mais de 60 anos. É professora. É prática. É brasileira. Nota-se que é uma viajante organizada, daquelas que fazem contas, que compram bilhetes com tempo. Percebe-se que não é uma mulher de acasos e de última hora.

Fala desta Paris com os olhos dos apaixonados, sem qualquer tipo de dúvida daquilo que diz. Sem ignorar as restantes capitais europeias, fala desta com deslumbramento. Com um deslumbre que nasceu na sua juventude, quando deu por si a estudar não só a gramática, mas também a história, a cultura e a literatura.

Preferiu alugar um apartamento numa zona menos nobre e onde os parisienses ainda se cumprimentam. Ali esteve quinze dias, diz-nos.

Escolheu restaurantes menos caros e optou por passar o último dia na Disney para mostrar à neta de 11 anos este encantado mundo de fantasias que chama a Serris e que é tanto de adultos como de miúdos. É neste mundo que a professora de Curitiba se senta, um tanto ou quanto desapontada com as enormes filas que juntam bem juntinhas as gentes do mundo. São aqueles que querem experimentar a Space Mountain, brinquedo gigante na Disney que faz gritar e contorcer todo o tipo de gente durante os segundos de adrenalina que abalam os nervos de qualquer um, pressupõe-se.

Foi neste banco, onde nos sentámos muito próximas debaixo de pingos de chuva grossos, que nos ouvimos a falar o português. Nós, acabados de chegar à Disney, ela quase a deixar França.

“Esta chuva não sabe bem o quer quer…” Quando o diz, é meio caminho andado para que o português de Curitiba se cruze com o nosso de Lisboa.

Parte dela a ideia de visitarmos Paris a partir de um cruzeiro no Sena, talvez a mais bela e larga “avenida” do norte de França, rio que se faz grande e volumoso na capital, que vem desde Borgonha e desaparece no Canal da Mancha e que também dá vida e graça à capital francesa.

Aconselha-nos ela, a Madame de Curitiba, um cruzeiro com paragens estratégicas a partir de dezanove euros, mais coisa menos coisa.

Um dia…

Nove paragens. A Torre Eiffel. A Catedral de Notre-Dame. O Museu do Louvre. O Museu d’Orsay. A Praça da Concórdia. O Hotel de Ville. O Jardim das Plantas. Saint-Germain-des-Prés. E a Ponte Alexandre III.

As fotografias mais turísticas são tiradas nestas nove paragens.

Por lá se veem os influencers a celebrar aniversários, a contar a estória, a mostrar ao mundo este mundo! Por ali se atrevem emigrantes de várias geografias a ganhar a vida. Já lá vamos. 

As dúvidas são poucas e lá seguimos o conselho de quem sabe. Bilhete comprado com a história ao ouvido falada na nossa língua enquanto se cruzam connosco todo o tipo de cruzeiros, alguns mais merecedores de atenção, dado o romantismo a bordo. E aqui não deve ser para menos.

Primeira paragem. Torre Eiffel

Entra-nos pelos olhos dentro. Faz-nos pequenos e sonhadores. Faz-nos falar e estar em silêncio. Gustave Eiffel. 1889. Engenheiro. Um atípico parisiense para a época que ousa criar a sua própria empresa de engenharia e através dela projecta imensas construções. 

“La Dame de fer” foi projetada e construída para a Exposição Universal de Paris, evento que deveria expor uma obra que simbolizasse o centenário da Revolução Francesa. A obra ficou e é eterna.

O engenheiro empreendedor que se tornou construtor da sua própria marca foi também o fazedor da estrutura que sustenta os 46 metros de altura e as 225 toneladas de peso da Estátua da Liberdade, em Nova Iorque.

Segunda paragem. Museu do Louvre

Mais vale poucas horas que nenhumas. Mas esta paragem merece muitas mais do que uma meia manhã. Janela de arte para o mundo, foi inaugurado no final do século XVIII. Antiga fortaleza do século XII, tem sido alvo de variadas reformas. Compreende 160 mil metros quadrados e foi em tempos residência real.

Os visitantes são milhões ao ano. Tal como nós, perdidos ou guiados por quem sabe, por quem conhece a história e o espólio. De guarda-chuva ao alto, agrupam visitantes de muitos países. Logo à entrada, a Pirâmide de Cristal, construída em 1989, é porta de entrada… para os variados tempos, épocas de grandes feitos artísticos que viajam por entre continentes.

Antiguidades egípcias. Gregas. Romanas. Pinturas. Esculturas.

Mais de meia hora se passa numa interminável fila até que se chegue o mais perto possível de Mona Lisa. A pintura de Leonardo da Vinci é espetáculo ocular garantido. Enigmática e sedutora, é a obra!

Terceira paragem. Sempre pelo Sena

Agora o Museu d’Orsay. Arte Ocidental, principalmente. Pintura. Escultura. Obras que consagraram Van Gogh, Cézanne, Degas, Maurice Denis, Odilon Redon e outros.

Quarta paragem. Praça da Concórdia em bom português

Em francês é Place de la Concorde e ergue-se entre os Champs-Élysées e o Jardim de Tuileries.

Monumental. Histórica. Foi durante a Revolução Francesa o lugar da guilhotina que fez desaparecer mais de 1200 pessoas, entre elas Maria Antonieta, rainha consorte que aqui perdeu a graça aos 37 anos de idade naquela manhã de 16 de Outubro de 1793. Nascida em Viena de Áustria e casada com Luís VXI, era ousada demais para uma corte que nunca a aceitou verdadeiramente.

Quinta paragem. Saint-Germain-des-Prés

Bairro típico, guarda a mais antiga igreja de Paris, muitos cafés, muita vida, muito luxo…

Sexta paragem. Ponte Alexandre III

É uma das mais de trinta pontes que compõem Paris e foi já considerada elemento histórico da capital.

Por entre a Tour Eiffel, o Museu do Louvre… e outros monumentos, o mais perto possível dos aglomerados de turistas, juntam-se os que sonharam viver Paris.

Vendedores de souvenirs, amigos de outras andanças que também falam a língua da necessidade e do engenho. Em Paris procuram a sorte grande nas passerelles dos turistas. Não é por acaso que se grelham maçarocas à vista de todos a troco de um euro e pouco. É por necessidade! Não é por acaso que se vendem pequenas imitações dos grandes monumentos. Porque com elas se pagam as contas dos que se atrevem a querer viver Paris. Estão à margem de um país rico que ostenta algum do seu glamour nas Galeries Lafayette.

Sétima paragem. Galerias Lafayette

Mais uma, mas não a mais importante paragem, de acordo com a professora de francês. Mas sim. É de se ver. Pelas fachadas majestosas, pela cúpula de aço e vidro, pelas escadas art nouveau, pelos visitantes que se fazem parar em viaturas de luxo mesmo a um passo da entrada. E depois pelas marcas Louis Vuitton, Gucci, Chanel, Versace, entre outras luxuosas que fazem desta cidade uma capital que se veste de moda. São quatro pisos, um Dj e toda a elegância do mundo a reunir-se aqui para gastar sem pensar em gastos.

Oitava paragem. La Samaritaine

Uma capa de chuva comprada às pressas nas lojas de souvenirs que se atravessam na nossa caminhada. Pinga em Paris…e volta a pingar!…

A caminho das Galerias, identificamos a Samaritaine. Também ela consta dos apontamentos da professora. Notas mínimas davam conta de uma antiga loja fundada por Ernest e Marie-Louise Cognacq- -Jay no ano 1870, um casal de empreendedores que começou este negócio pequeno e que ascendeu no meio social… Agora a antiga loja é parte do roteiro turístico da grande cidade. Adoptada e bem integrada, é grandiosa até, cheia de departamentos e atractiva demais para se passar à margem! Hoje num projecto de restauro junta aos detalhes originais de art nouveau e art déco uma área contemporânea. É para parar. E paramos!

Para a professora de Curitiba o metro…é metrô. Para a professora prática e despachada que enfiou umas sandes compradas no Auchan numa mochila e assim visitou a Disney, o metrô também é necessário para que a cidade se intrometa o mais possível na nossa vida! Com o metrô, disse-nos, poderíamos ir muito mais longe. E fomos mesmo.

Doze linhas, pelo menos, cruzam Paris a toda a velocidade e levam-nos a paragens como Victor Hugo ou Alexandre Dumas, alguns dos escritores que inscreveram a França no grande mapa da literatura mundial. Foi através do metrô que alcançámos a Belle Époque e que logo à saída da estação demos de caras com o cabaré mais famoso do mundo, O Moulin Rouge, não a tempo de assistirmos a um dos seus luxuosos espetáculos com as suas elegantes dançarinas, mas com minutos de sobra para ficarmos por ali a sonhar com a vida boémia e com os luxos que se ostentaram em cantares e performances. Tudo a seu tempo.

Vários turistas concentram-se por ali. Parados. Incrivelmente surpresos com o cenário vermelho que se impõe no bairro de Montmartre.

Da professora sabemos pouco. Que viaja com a filha e com a neta. E que está quase de partida, com uma escala por Lisboa e outra por São Paulo.

Permite-nos fotografar as folhas A4 onde anotou as muitas curiosidades de Paris. Vê-se que estudou a lição e que de Paris quer perder muito pouco. Também nesta lista anotou várias ruas onde se deve parar simplesmente para fotografar.

Nas suas notas “Belas ruas de Paris”, lá estavam A Rue des Thermopyles, 14e arrondissement; a Rue des Barres, atrás da Igreja de Saint-Gervais; a Rue Saint-Rustique, Montmartre; Rue Montorgueil; Rue Chanoinesse, perto da Catedral de Notre-Dame; Rue Crémieux, perto da Gare de Lyon; Rue Lepic; Rue de Sévigné; Marais; Rue de l’Abreuvoir, Montmartre.

Lá fomos parar a algumas por acaso, a outras agarrados ao mapa. Apenas para estar. Apenas para lembrar. Também para fotografar.

E de lá partimos em direcção à Sainte Chapelle, com paragem na estação de metro de Saint-Michel. Mais uma paragem obrigatória na Île de la Cité, em Paris. Diz a estória que data de 1248, sonhada pelo rei Luís IX e um monumento de se ver. Foi eleita uma das mais belas capelas góticas e não é para menos. Não basta ver de fora ainda que roube todas as atenções. É preciso ver para lá da arte do exterior.

É nesta Île de la Cité que nos deslumbramos. É simplesmente o passado a entrar-nos corpo adentro. Com todo o seu esplendor.

Nona paragem. Notre-Dame

Mais uma das nove paragens obrigatórias está aqui. Por entre o Sena. A Catedral de Notre-Dame exibe um estilo gótico tendo sido dedicada à intitulada Virgem Maria. Recupera-se agora do furioso incêndio que em 2019 mais pareceu querer roubar aos cristãos algumas obras de elevado valor. Pinturas, esculturas. 13 Sinos. Livros raros. E outras valiosas obras que viajam ao tempo das escrituras bíblicas, ao tempo em que Cristo pisou a terra e prometeu o dia do juízo final, dia que se projeta através das mãos de famosos pintores e que faz parte de uma das paredes de Notre-Dame.

Por esta altura já andamos de boina por Paris. Por esta altura já entramos em várias patisseries e provamos os macarons que não são completamente desconhecidos para os miúdos depois dos afazeres do pai da Ladybug, no bairro de Montmartre. De todas as cores inimagináveis, os macarons, introduzidos por um chef italiano em França, são mais um gosto da famosíssima pastelaria francesa que não rouba lugar ao crepe e que vive em muitas caixinhas de souvenirs.

Voltando ao banco meio molhado da Disney, a conversa com a professora de Curitiba anda às voltas e reviravoltas pela cidade de Paris.

Les Catacombes…

As Catacumbas de Paris, ainda em Montmartre, mesmo que pouco aconselhadas para a miudagem que faz parte desta viagem é outra das importantes notas da professora de quem pouco sabemos. Nem o nome, tão pouco… Sobre as Catacumbas se escreve que interessam principalmente a adultos e adolescentes e que são túneis de história, minas de calcário que serviram de moradia para muitos corpos, muitos deles atirados para ali aquando da Revolução Francesa.

São dois quilómetros de história debaixo de uma temperatura de 14 graus. Antigas pedreiras que foram também úteis na Segunda Guerra Mundial, quando membros da resistência francesa as usaram como bunkers. Victor Hugo, que dá nome a uma das estações do metro, também vai buscar inspiração a estes subterrâneos parisienses quando escreve Os Miseráveis.

Se não fosse a professora de francês, não subiríamos ao céu em Paris. Nas suas notas, “Ciel de Paris, petit déjeuner, 22 Euros por pessoa. Na Avenue du Maine”. É mais uma paragem gastronómica a considerar na estação Montparnasse-Bienvenue. É muito mais a vista ou a gastronomia? Depende do ponto de vista…

Fica no 56º andar da Torre Montparnasse. Se não for a tempo de reservar faça como nós. Um copo no bar. Um passar da meia-noite. Ou um petit déjeuner. Tudo como manda a lei em Paris. Um croissant. Um café. E novamente na estrada…ou no metrô.

Versailles

Agora em direcção a um dos maiores palacetes do mundo. Casa real entre os anos 1682 a 1789, é legado construído por Luís XIV em 1634 numa França absolutista, o também chamado rei Sol, soberano no país durante 72 anos que manda e pode numa França destinada a viver uma revolução napoleónica. Versailles, o palácio. Agora a poucos passos dele. Opulento, majestoso, custa a acreditar que cresceu a partir de uma pequena casa rural. Museu de História. Chão de um imenso jardim ornamentado por canais, estátuas e centenas de fontes. É a nossa última paragem.

Dos apontamentos da professora de francês está tudo ou quase tudo visto. Com os caminhos dela cruzámos os nossos e convergimos em lugares comuns, mas nem por isso menos grandiosos.

Paris não é tal e qual. Paris é muito mais. É mais do que dizem os livros. Do que mostram as fotos. Do que relatam os turistas. Paris é ir e não querer voltar!!

E sobre a professora de francês, nem o nome soubemos. Apenas um lugar de morada no mapa-mundo. Curitiba. Brasil.

Mais não sabemos. Merci beaucoup Madame! 

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