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Um palácio romântico que também foi um projecto político

No alto da Serra de Sintra, o Palácio Nacional da Pena vigia tranquilo o Castelo dos Mouros e a própria vila enquanto recorda os dias do passado de duas personalidades que, embora não tivessem nascido em Portugal, viveram intensamente a realidade nacional e no seu espaço deixaram a sua marca – D. Fernando II e a rainha D. Amélia

Património Mundial da UNESCO desde 1995, ergue-se no topo da Serra de Sintra, deslumbrando sempre quem o visita e evocando memórias muitíssimo antigas da nossa história. Na realidade, a primeira edificação ali concebida remonta ao século XII, quando D. João II, o Príncipe Perfeito, mandou construir uma capela dedicada a Nossa Senhora da Pena. Mais tarde seria o seu filho D. Manuel I a decidir a edificação do Real Mosteiro de Nossa Senhora da Pena naquele lugar. Reza a história que, num dia em que ali se encontrava a caçar avistou a chegada da segunda frota de Vasco da Gama vinda de Índia e, sentindo que a empresa dos Descobrimentos era divinamente abençoada, ordenou a construção em tom de agradecimento. O mosteiro viria a ficar praticamente arruinado aquando do Terramoto de 1755 e após a extinção das ordens religiosas em Portugal em 1834 cairia em total abandono mas não durante muito tempo pois em breve um casamento real trar-lhe-ia uma nova vida e um destaque que não mais haveria de perder.

De Zé Nabo a Rei Artista

Apenas com 16 anos, a já rainha D. Maria II casa com D. Fernando de Saxe-Coburgo e Gotha, de 19 anos, um jovem germano-húngaro-vienense que viria a afirmar-se como um dos mais cultos homens de Portugal. Sobrinho do duque de Coburgo e do rei Leopoldo da Bélgica, tivera uma educação irrepreensível, dominando o alemão, o húngaro, o francês, o inglês, o espanhol, o italiano e o português, com as artes, em particular a música e o desenho, a suscitarem sempre nele um interesse especial e uma enorme dedicação. Seria esta mesma ligação às artes que, mais tarde, lhe valeria ficar conhecido como rei-artista. Contra tudo o que se poderia esperar de um casamento “arranjado” como eram as uniões reais da época, D. Maria e D. Fernando viveram um casamento apaixonado e feliz e pouco depois da sua chegada a Portugal D. Fernando apaixonou-se também por Sintra, adquirindo com a sua fortuna pessoal o Mosteiro de São Jerónimo e toda a mata envolvente. Com a intenção de o proporcionar como oferta a D. Maria, D. Fernando envolveu-se, então, numa empresa ímpar. Fascinado com o romantismo da serra e a valorização das ruínas, decidiu recuperar o edifício para transformá-lo em residência de Verão, mas rapidamente optou pela construção de um palácio prolongado sobre a construção existente que fizesse justiça à nobreza da soberana portuguesa. Apoiado por Wilhelm Ludwig von Eschwege, D. Fernando determina as influências arquitectónicas a adoptar. Num conjunto harmónico conseguiu a proeza de interligar a influência quinhentista portuguesa, enaltecendo o imaginário de D. Manuel, cruzando os estilos neo-manuelino e neo-gótico com os estilos neo-mourisco e neo-indiano. D. Fernando tinha apenas 22 anos quando determinou a obra, projecto não apenas artístico mas também político e de uma visão absolutamente impressionante para um soberano de tão jovem idade. Quando chegara a Portugal impressionara pela sua aparência, muito alto, muito bem-parecido, mas jovem, demasiado jovem e ainda imberbe. O povo apelidara-o imediatamente de “Zé-nabo” graças a este facto, mas não seria deste modo que iria recordá-lo. Na verdade, D. Fernando podia ser jovem mas tinha do seu lado uma educação, uma preparação e uma bagagem intelectual e cultural absolutamente ímpares, tendo rapidamente percebido que se impunha afirmar-se juntamente com a jovem rainha num trono liberal de uma nação acabada de sair de uma devastadora guerra-civil. A construção do Palácio da Pena assumir-se-ia assim como um projecto de afirmação transmitindo claramente a mensagem de força e poder, um castelo ao estilo medieval que recorria à imagética nacional, fazendo acreditar que quem se encontrava no comando do país era alguém que estava, de facto, à altura da empresa. O palácio seria construído em apenas dez anos, o que é absolutamente impressionante e mais ainda se considerarmos a sua localização e o difícil acesso não só para o transporte de materiais como das mobílias e artefactos que iriam decorá-lo. O parque seria também imediatamente plantado e a obra exuberante a que hoje temos acesso devê-mo-la efectivamente a D. Fernando, que ali introduziu espécies vindas de todo o mundo, adensando e enriquecendo a vegetação e fazendo com que os 85 hectares do Parque da Pena correspondam ao mais importante arboreto de Portugal. Entre os dois edifícios a que D. Fernando se dedicou intensamente há um intervalo de mais de 300 anos. O edifício do mosteiro, originário do século XV, e o edifício do palácio, do século XIX. No seu interior, D. Fernando II apostou também no melhor que em Portugal se fazia ao nível da produção das manufacturas, como é o caso da aplicação de azulejaria tanto no interior como no exterior do palácio, outra inovação que introduziu. Tragicamente, D. Maria II não desfrutou nunca de uma estada no Palácio da Pena. Tendo acompanhado muito a obra, D. Maria não habitou nunca o palácio, morrendo aos 34 anos quando dava à luz o 11º filho, que também não sobreviveu ao parto. D. Fernando ficou arrasado com a perda, assumindo a regência até à maioridade do herdeiro ao trono e habitando apenas o palácio velho.

Um romance nascido na ópera

A Pena seria novamente palco de um enorme romance decorrido mais tarde entre o mesmo D. Fernando e uma cantora de ópera. Elise Hensler era de origem suíça, emigrando aos 12 anos para Boston, onde recebeu uma esmerada educação e se naturalizou americana. Fluente em sete idiomas, era também uma profunda amante das artes e das letras, o que a terá aproximado do antigo rei consorte. Estávamos em 1860, sete anos após a morte de D. Maria II, quando D. Fernando após um prolongado período de reclusão decidira empreender uma viagem ao Egipto que lhe devolvera, então, o gosto pela vida. Regressado assim à vida social, é naquele ano que no Teatro Nacional de São Carlos, em Lisboa, conhece a cantora lírica, ficando absolutamente fascinado com a jovem de apenas 24 anos e assistindo a todas as suas representações. Seguiu-se o romance e também a atribuição do título de Condessa d’Edla que D. Fernando tratou de assegurar. O casamento entre ambos aconteceria nove anos mais tarde, apesar da forte contestação real e também por parte do povo. No Parque de Sintra, D. Fernando construiria com ela o delicado Chalet da Condessa, uma construção de dois pisos com uma elevada carga cénica e de inspiração alpina que mantinha uma relação visual com o palácio. Deixado ao abandono por muito tempo, foi reaberto ao público em 2011 após uma obra de quatro anos cujo projecto foi distinguido em 2013 como Prémio União Europeia para o Património Cultural – Europa Nostra na categoria de conservação.

Cenário do fim da monarquia portuguesa

Uma segunda época marcará profundamente a vida do Palácio Nacional da Pena, desta vez servindo de palco como trágico fim da monarquia portuguesa. D. Amélia de Orleães casara com o rei D. Carlos I e viria a habitar o palácio aquando das férias de Verão, dividindo este período estival também com a Cidadela de Cascais, num casamento que não seria nunca feliz dadas as sucessivas e intermináveis traições do marido. Seria no seu quarto no Palácio da Pena que a rainha D. Amélia dormiria a última noite enquanto soberana de Portugal, já viúva, tendo assistido à morte do marido e do filho no Terreiro do Paço, em Lisboa, aquando do regicídio, e sendo na Serra de Sintra surpreendida com a proclamação da república a 5 de Outubro de 1910. Daqui saiu rumo a Mafra e depois à Ericeira para no iate real se dirigir a Gibraltar, mais tarde a Inglaterra e depois a França, onde viveu como portuguesa exilada. Após a Segunda Guerra Mundial visitou Portugal e fez questão de visitar o Paço da Pena, de percorrer as próprias memórias no seu quarto, na sua sala de jantar e de despedir-se de um local que a apaixonara desde o primeiro momento, mas que memórias tão amargas lhe deixaria.

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