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Com mais de 40 anos de carreira como fotógrafo, o célebre Steve McCurry esteve em Portugal por ocasião da inauguração da sua exposição ICONS na Cordoaria Nacional. De olhar penetrante mas ao mesmo tempo reservado e tímido, o reconhecido fotógrafo revelou-se um homem modesto ao afirmar que, após ter visitado a Índia cerca de 80 vezes ainda dela só conhece “uma pequena superfície”. Nesta edição, a Travel & Safaris conta-lhe mais acerca deste extraordinário artista que acredita que “na vida temos de tentar fazer algo para deixarmos o mundo um lugar melhor do que aquele que encontrámos”

Texto: Carla Santos Vieira   Foto: Steve McCurry

Depois de tantos anos a fotografar, ainda sente algum romantismo por esta profissão?

Não me sinto diferente de quando comecei, há 40 anos. A minha atitude não se alterou imenso por ter passado por tantas experiências ao longo destes anos todos. Sinto a mesma energia e a mesma paixão que nos primeiros dias.

Ainda apaixonado pela fotografia, portanto…

Diria que sim.

De que modo é que estes 40 anos dedicados à fotografia o influenciaram?

Deram-me uma visão mundial através das viagens que fiz e por ter conhecido coisas diferentes, culturas distintas, pessoas e outros modos de vida. Quando conhecemos outros povos e as suas culturas acabamos também por tornar-nos melhores pessoas.

E relativamente às pessoas que fotografou? Pensa nalguma em especial? Questiona-se acerca do que lhes terá acontecido?

Acho que aquilo a que se refere se aplica às pessoas com quem nos cruzamos ao longo da vida. Podem ser pessoas com quem passámos uma hora, talvez um dia ou até com quem tenhamos trabalhado no passado. Sim, acabamos por envolver-nos. Penso nestas pessoas. Olho para uma fotografia e pergunto-me o que lhe terá acontecido mas acho que isso também acontece relativamente a pessoas com quem estive na escola quando tinha 12 anos. Também me questiono sobre o que lhes terá acontecido ou àquelas com quem trabalhei há 40 anos. Acho que por vezes pensamos nas pessoas que conhecemos e naquelas com quem os nossos caminhos se cruzaram… Pensamos como terão sido as suas vidas, é natural…

O que pensa sobre o envolvimento que as suas imagens implicam?

Penso que é enriquecedor viajar para sítios diferentes e envolvermo-nos em coisas diferentes, fotografar animais, pessoas e acontecimentos. O mundo é tão rico que queremos ver tudo e fazer tudo antes de partirmos… Portanto tento testemunhar e experienciar o máximo mais possível.

Por vezes deve ser esmagador, não?

A vida pode ser esmagadora. Quer sejamos fotógrafos, repórteres, sejamos quem formos, a vida está cheia de desafios e de momentos altos e baixos, de desilusões, de entusiamo e de alegria. E não há quaisquer garantias, é tudo um pouco aleatório.

Por vezes é um mistério…

Um mistério! Como é que Churchill definiu a União Soviética? Disse que era “uma charada envolta num mistério dentro de um enigma”. A vida é igual. É uma charada envolta num mistério dentro de um enigma.

Quando fotografa sente-se tentado a interferir? Por vezes deve ser difícil ficar atrás da objectiva…

Se houver oportunidade para ajudarmos alguém é sempre bom. Há sempre um equilíbrio…

As suas imagens costumam ter uma narrativa. Isso acontece com algum objectivo em particular?

O mundo em que vivemos, a condição humana… Todos vimos ao mundo e tentamos compreender o que acontece e encontrar algum sentido… Vemos as falhas, o sofrimento, as imperfeições, há coisas óbvias que acabamos por questionar e perguntamo-nos porque será que são assim. Mas também há a beleza, há sempre direcções diferentes que podemos escolher por isso acho que na vida temos de tentar encontrar alguma paz e alguma realização e temos de tentar fazer algo para deixarmos o mundo um lugar melhor do que aquele que encontrámos.

Pode revelar-nos o seu projecto mais recente?

O meu projecto mais recente foi visitar o parque infantil com a minha filha (risos). Não… Há algumas semanas estive na Islândia e foi interessante. Nunca lá tinha estado e aquele lugar foi novo para mim porque já tinha estado no Ártico, na Antártida mas este lugar pareceu-me frio, árido e de certo modo minimalista…

Quando poderemos vê-lo?

Não sei. Algures em breve, acho.

O mundo parece-lhe muito diferente do que era quando começou?

De certos pontos de vista mudou, de outros não. Assistimos a alguns progressos: na educação, na saúde. Lugares como a Índia progrediram muito. A China é hoje um lugar completamente diferente do que era quando lá fui pela primeira vez. Mas há outros sítios que são mais preocupantes, como o Afeganistão, o Iraque, o Iémen, a Rússia. Há lugares que no passado eram fáceis de visitar e amigáveis e que agora são muito difíceis.

Considerou estudar História. Vê-se como uma espécie de historiador ao fotografar tantas histórias?

Em virtude de documentar a vida e estes lugares, talvez. São, de facto, registos do mundo… Mas apenas neste aspecto de estar lá e de viver esses momentos e de os registar ou documentar ou de fotografá-los. Não me vejo como historiador.

Como é que se vê?

Como viajante que fotografa, que vê coisas que lhe interessam e que considera que são importantes mas não documento a História. A minha missão não é documentar acontecimentos com esse objectivo.

Para fotografar e obter imagens tão intensas e íntimas é preciso aproximarmo-nos do outro. O oposto também acontece? Considera-se uma pessoa fácil de alcançar?

Acho que sim. Sou bastante aberto. Acho que sou bastante acessível…

Já tinha estado em Portugal?

Cerca de meia dúzia de vezes.

Portanto conhece o País…

Diria antes que há certas regiões que me são familiares. Estive na Índia umas 80 vezes, conheço mais ou menos parte dela mas ainda assim… apenas conheço a ponta do icebergue… Até no meu próprio país é assim, conheço umas coisas aqui, outras acolá… Vivi em Nova Iorque durante muitos anos e se nos afastarmos uns quarteirões do nosso apartamento é como se estivéssemos num lugar que não conhecêssemos, é como se fossemos turistas…

Isso é porque manteve a capacidade de se surpreender com tudo e de encontrar sempre algo de novo…

Acho que vá onde for me sinto sempre um outsider. Não me causa transtorno, não me importo com isso.

Sentiu-se sempre assim?

Provavelmente, mas não me incomoda.

Como é que as viagens entram na sua vida?

Comecei a viajar aos 19 anos. Estamos neste mundo durante muito pouco tempo, senti que esta era a melhor forma de usar o meu tempo, que era a coisa mais interessante que podia fazer e foi o que fiz. Quando era miúdo costumava divagar acerca da Índia. Ir lá e vê-la e experienciá-la, aprender acerca da sua cultura e de tudo aquilo foi mesmo interessante. Depois continuei em movimento e a viajar.

E neste mundo onde fica o seu refúgio?

Em casa, em Filadélfia. É onde estão as minhas coisas, a minha cama, a minha família, o meu conforto. É onde descontraio. Adoro viajar. Adoro a Índia e a Birmânia, mas a Filadélfia é o meu lar.

A Índia e a Birmânia são-lhe definitivamente lugares queridos, mas se tivesse de escolher um país onde realizar um trabalho mais profundo, para onde viajaria?

Provavelmente para o Tibete. É um lugar tão distinto do que era há 20 anos e nessa altura já era tão diferente do que era 50 anos antes… Exerce um charme e um fascínio sobre mim… É um lugar onde adoraria passar mais tempo e que gostaria de explorar.

Há alguma história que ainda esteja a procurar?

Não há uma coisa em específico que possa apontar e dizer “há uma coisa que estou a tentar alcançar”. Viajo para diferentes lugares e não diria que há “uma coisa”. Há vários sítios que quero visitar, não há uma espécie de projecto monumental.

Então e Portugal? Há algo que gostasse de fotografar ou um sítio que desejasse visitar?

Gostava de voltar a fazer um trabalho sobre a região vinícola que visitei e que é mesmo interessante, o Douro, e gostava de voltar a Fátima. Estava demasiado cheia quando lá fui da última vez. Sinto-me sempre fascinado com estes lugares de peregrinação religiosa.

É religioso?

Não. Não nesse sentido, mas há coisas que têm muita importância para mim e penso que o budismo sempre me fascinou e atraiu e parece-me uma forma maravilhosa de viver a vida. Faz-me sentido.

Admitiria a ideia de ter ajudado a mudar o mundo através das suas histórias?

Novamente, acho que se conhecermos as pessoas, se virmos como vivem e compreendermos o seu mundo, é como que passarmos a partilhar uma humanidade, vivamos aqui ou ali. Somos essencialmente iguais e acredito que podemos fazer amigos em todo o lado. Veja, por exemplo, o Afeganistão: se as pessoas fossem lá haviam de ver que o povo é mesmo agradável e que têm um excelente sentido de humor, o país é muito bonito e a comida óptima. Haviam de dizer “uau, isto é óptimo, quero passar mais tempo aqui e conhecer esta cultura mais aprofundadamente”. Na verdade não podemos perceber isto estando de fora; temos de entrar e permanecer dentro da cultura e então começam a acontecer coisas, começamos a conhecer as pessoas e a ter um melhor entendimento e depois surgem as amizades…

E quanto às alterações climáticas? Sente responsabilidade ou urgência em contar histórias acerca deste tema?

Claro! Fico fascinado como é que o tema representa um tópico de conversa mas, entre a maioria das pessoas, a maioria dos governos, não há um real sentido de urgência. Acho que a generalidade das pessoas não pensa tão aprofundadamente nas alterações climáticas. As pessoas trabalham muito, têm os seus problemas, tentam sustentar as suas famílias…

É muito fácil distrairmo-nos destes assuntos tão importantes…

Sim. Os governos deviam liderar este caminho, mas é claro que os políticos não o querem fazer, estão mais interessados nas próprias posições do que nas alterações climáticas. É assim, é a natureza humana portanto… De certa forma, não interessa onde irá cair este grão de areia que voa no espaço e se nos desintegrarmos será assim tão importante? É importante para si e para mim, mas… Se pensarmos no cosmos…

No cômputo geral, na verdade, não…

Pois…

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