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O autor da exposição mais vista da National Geographic que passou por Portugal em 2021 em entrevista à Travel & Safaris

Texto Carla Santos Vieira   Foto Joel Sartore

Fotógrafo diversas vezes premiado, Joel Sartore é também orador, autor, conservacionista, foi nomeado Rolex National Geographic Explorer do Ano em 2018, mantendo também colaborações com as revistas Audubon, Geo, New York Times e Smithsonian, mas é com o projecto que iniciou há 16 anos, o National Geographic Photo Ark, que tem vindo a marcar a diferença no alerta dado acerca das espécies do nosso planeta que urge proteger. Nas suas palavras, tenta através do trabalho que desenvolve “dar voz” a espécies ameaçadas colaborando deste modo para que entre as mesmas e o Homem se crie um elo que nos desperte, a todos nós, para a sua preservação. Tendo já fotografado mais de 13 mil espécies, continua a correr o mundo para alcançar as 20 mil. É mais uma alma nobre por detrás de uma câmara fotográfica, mais um “sentinela” do planeta e da sua conservação.

Tendo passado mais de 16 anos dedicado ao Projecto Photo Ark com o intuito de documentar cerca de 20 mil espécies, o que imagina que irá pensar e sentir quando tiver alcançado o seu objectivo?

Trabalhar no Photo Ark da National Geographic é uma tremenda honra e responsabilidade. Queremos fotografar todas as espécies do mundo que se encontram ao cuidado do Homem; são cerca de 20 mil e serão precisos pelo menos mais uns 15 anos – provavelmente o resto da minha vida. Já fotografei mais de 13.500 espécies e o mais recente marco foi fotografar o maçarico-bico-de-colher. Agora teremos de viajar até pontos mais longínquos e mais selvagens para alcançarmos as espécies que nos faltam. Se não conseguir completar o Photo Ark, o meu filho mais velho, Cole, que viaja comigo na maioria das filmagens ao estrangeiro, irá substituir-me.

Este projecto foi-se alterando ao longo dos anos? Foi logo tão ambicioso desde o início?

A ideia do Photo Ark surgiu-me numa altura em que a minha mulher estava a lutar contra um cancro de mama, em 2006. Hoje encontra-se bem mas eu mantive-me em casa durante o período de um ano para cuidar dela e dos nossos três filhos. Quando a Kathy recuperou decidi concentrar-me num grande projecto, em algo que chegasse ao público, e tentar promover uma mudança no que respeita à conservação das espécies. Então comecei a ir ao Lincoln Children’s Zoo, que ficava a cerca de um quilómetro e meio da nossa casa em Lincoln, no Nebraska, para fotografar. Perguntei aos funcionários do zoo se tinham algum animal de pequeno porte que fosse capaz de ficar relativamente quieto e então eles trouxeram-me um rato toupeira pelado e colocaram-no em cima de uma placa branca da cozinha. Ele não se manteve assim tão quieto mas fiquei intrigado com o facto de em liberdade estes animais viverem debaixo da terra e de, no entanto, eu conseguir observar tão claramente o seu focinho contra aquele cenário branco. Isto fez com que o apreciasse de um modo completamente diferente. Foi assim que surgiu o Photo Ark – com a ideia de dar voz àqueles que não a têm; a animais maravilhosos, fascinantes e únicos que precisam urgentemente da nossa protecção. Espero que ao verem as minhas imagens as pessoas se sintam surpreendidas, cativadas e com vontade de aprenderem tudo o que conseguirem acerca dos animais com que sintam uma ligação mais forte. Só assim é que terão vontade de agir e de salvar estas espécies.

Estar constantemente envolvido num projecto que tenta alertar-nos acerca do perigo de estas espécies desaparecerem afecta-o? Acredita que está, de facto, a promover uma mudança ou parece-lhe mais que está a assegurar o registo, a memória de espécies que nas gerações vindouras terão desaparecido?

Se alguma delas é extremamente rara então eu avanço o mais depressa possível. Em 2015 fotografei o Nabire – um dos últimos rinocerontes brancos do norte que ainda restavam no planeta – no Dvur Kralove Zoo, na República Checa. Foi uma sessão urgente e já morreu. Agora só há dois exemplares. Infelizmente vi espécies extinguir-se desde que iniciei o National Geographic Photo Ark. O coelho-pigmeu da Bacia de Columbia, o chucky madtom e o ecnomiohyla rabborum (sapo de árvore) extinguiram-se depois de os fotografar. Claro que me entristece mas não sou pessimista. Cada espécie que se perde inspira-me a entregar-me totalmente a este projecto e a utilizar a extinção como um alerta: Tal como estas espécies desaparecem, também nós poderemos desaparecer.

Como descreveria o impacto que as suas fotografias têm na sociedade? Poderemos encarar o Photo Ark como um abissal catálogo de animais que um dia ajudará o ser humano a recordar várias espécies que estamos prestes a perder? Qual será o impacto do seu projecto num semelhante futuro?

O Photo Ark dá oportunidade aos animais de serem vistos e de contarem as suas histórias – enquanto ainda há tempo para os salvar e aos seus habitats. Os observadores das minhas imagens podem olhá-los nos olhos e perceber que todos eles são importantes e merecedores de ser preservados. Estou grato por saber que o National Geographic Photo Ark inspirou tantas pessoas – e orgulhoso por ter influenciado verdadeiros e impactantes esforços de conservação. Gosto muito de partilhar o exemplo do pardal gafanhoto da Flórida. Historicamente, esta ave habitava as pradarias do centro da Flórida. Contudo, nos últimos anos aproximou-se da extinção, enquanto os biólogos se esforçavam por descobrir as razões para que assim estivesse a suceder. Quando o Photo Ark fotografou esta ave para uma reportagem da revista Audubon, o assunto mereceu tanta atenção que o governo norte-americano decidiu gastar 20 a 30 mil dólares por ano para documentar o seu desaparecimento e um milhão e duzentos mil para iniciar um programa de criação em cativeiro. Esse programa revelou-se um sucesso e agora há uma verdadeira esperança para este pardal graças ao árduo trabalho dos investigadores e dos centros de criação como o White Oak Conservation Center em Yulee, na Flórida. Tenho muito orgulho nisto. Esta pequena história é apenas um exemplo do impacto real que o Photo Ark tem. Não há melhor altura para agir do que agora. Acredito verdadeiramente que juntos podemos proteger as espécies e os ecossistemas que são críticos para a nossa sobrevivência antes que seja demasiado tarde.

Quando fotografa um animal selvagem qual é a coisa mais importante a ter em mente? Alguma vez teve receio de um animal que estivesse a fotografar?

Quando trabalhamos com animais e com a Natureza em geral é absolutamente crucial respeitarmos o nosso objecto de trabalho e tudo o que se relaciona com ele. Antes de sequer começar a fotografar faço pesquisa acerca dos animais em questão e converso com os tratadores, de modo a aprender as regras que deverei seguir de acordo com a espécie que for fotografar; ou seja, tento saber qual será a distância que demonstra que os respeito, que comportamento deverei evitar e quais são os seus sinais de desagrado. É absolutamente necessário fazer o devido trabalho de casa para obter boas fotografias de qualquer animal. Aqui o que interessa é em segurança realizar boas fotografias do animal enquanto ele age naturalmente, sem se sentir agressivo ou com vontade de fugir de nós. Felizmente para o National Geographic Photo Ark consigo trabalhar com especialistas e com tratadores de santuários de vida selvagem de todo o Mundo. Não queremos que os animais se sintam desconfortáveis ou incomodados quando os fotografamos. Desde que me dedico ao Photo Ark que evito colocar-me em perigo iminente com os animais.

Já alguma vez se sentiu especialmente ligado a um animal ou a uma espécie?

A maior parte dos animais que fotografo tem um grande impacto em mim. Para mim são como crianças porque sou a única voz que a maioria deles algum dia poderá ter. Sinceramente, digo sempre que o meu animal preferido é “o próximo” porque para fazer o meu trabalho bem tenho de gostar de cada espécie de igual modo.

Em 2018 fotografou vários animais em Portugal, incluindo o lobo ibérico. Há mais alguma espécie que encontre cá e que gostasse de fotografar?

Fizemos um bom trabalho em Portugal ao longo dos anos e por isso penso que já temos muitas das espécies que podemos encontrar no seu território embora ainda deseje fotografar um peixe-lua (mola mola) juvenil.

O que lhe ensinaram todos estes animais ao longo desta maravilhosa experiência que tem vivido ao longo dos anos?

São quase todos tão inteligentes… Tiveram mesmo de ser para chegarem aqui, a este tempo. Muitos olham-me com intensidade ou com curiosidade ou dos dois modos. Para ser honesto, fico quase sempre maravilhado com espécies como os mochos, que conseguem voar em silêncio graças ao modo como as suas penas são desenhadas, ou com as lulas, que conseguem mudar de cor dependendo do habitat sobre o qual estiverem flutuar, ou como as formigas, que trabalham em conjunto para criar um mundo inteiro. É como ir para a escola todos os dias.

O que têm estes animais em comum?

Cada um deles é tão único… Grandes ou pequenos, tento fazê-los parecer iguais contra os fundos brancos e pretos com que os fotografo. O meu objectivo é tornar um rato tão grande e tão importante como um elefante – dando deste modo uma igual voz a todas as espécies. É espectacular assistir ao processo de descoberta da beleza de um besouro, que na generalidade afastamos de nós… Espero que nas minhas imagens do Photo Ark as pessoas olhem estes animais nos olhos e vejam o quão importantes são e o quanto merecem ser protegidos.

Encontra traços destes animais no ser humano? Parece-lhe que ainda temos uma “ligação próxima” com estes seres?

O ser humano está muito ligado aos animais – sem eles não existiríamos. Nas minhas fotografias há um grande e evidente contacto visual com os animais. Escolhi que assim fosse de modo a ajudar o público a criar uma ligação emocional com cada um deles. Todos os animais têm igual direito a afirmar-se e igual direito a contar as suas histórias ao Mundo.

De acordo com estudos realizados pelo Field Museum, o biólogo Steve Goodman afirma que linhagens inteiras de mamíferos que apenas existem em Madagáscar se encontram extintas ou perto da extinção e que se não agirmos imediatamente aquele país perderá 23 milhões de anos da história evolutiva. Notícias como esta têm sido cada vez mais divulgadas… Considera que a acção humana se alterou muito desde que o público em geral começou a ter maior acesso a este tipo de informações? Tem-se apercebido de mudanças marcantes desde que iniciou este projecto? Como imagina que estará o mundo daqui a 50 anos? Teremos perdido tantas espécies apesar de termos sido avisados que era urgente protegê-las?

Se agirmos, não. Há milhões de espécies que estão a enfrentar novos desafios por causa das alterações climáticas. Repare, por exemplo, no urso polar. Precisam de gelo para caçar focas e à medida que ele se vai derretendo os ursos e as suas crias vão morrendo à fome. As alterações climáticas destroem espécies que já estão a lutar para sobreviver e  se não intervirmos os seus efeitos só irão piorar. Temos de afastar-nos da indústria dos combustíveis fosseis o mais depressa possível, ou o mundo vai aquecer ao ponto de ameaçar não só as outras espécies mas também os humanos. Cada indivíduo pode fazer a diferença, podemos começar por apoiar um zoo que se situe na nossa localidade, um aquário ou um centro de recuperação. Estas organizações trabalham incansavelmente para salvar a vida selvagem e fazem-no 365 dias por ano. Há muitas espécies que só existem em cativeiro por isso quando apoiamos um zoo devidamente acreditado sabemos que o nosso dinheiro vai directamente para alimentar e salvar animais raros. Outra opção será a de reduzir, reutilizar e reciclar aquilo que compramos; comermos menos carne e comermos o que é local sempre que possível, deixarmos de usar químicos nos quintais e plantarmos plantas autóctones. Se todos tentássemos ser um pouco mais conscientes em termos ambientais poderíamos alterar esta situação consideravelmente.

Acha que o ser humano irá algum dia assumir a sua responsabilidade sobre as alterações climáticas, sobre a perda e a vulnerabilidade de espécies animais e agir de modo a proteger eficazmente tanto o planeta como os seus habitantes? Será que não devíamos ter bastante mais presente o facto de, como qualquer outra espécie, os humanos dependerem do equilíbrio da Natureza, da existência de outras espécies e do próprio holoceno?

Acredito que as pessoas querem ajudar a salvar o planeta e as suas espécies mas acho que primeiro terão de conhecer estes animais e de perceber quais são os seus problemas. Estou sempre a conhecer verdadeiros heróis que protegem a vida selvagem, pessoas que trabalham arduamente para salvar espécies nos seus próprios quintais. Todos eles começaram do mesmo modo, educando-se. Senti-me inspirado a começar a fotografar animais porque havia muitos que não tinham voz própria no que respeita à conservação – e é precisamente isto que continua a manter-me neste projecto. Temos de lembrar-nos disto: ao salvamos outras espécies salvamo-nos a nós próprios. Precisamos de insectos polinizadores que nos possibilitem termos fruta e vegetais. Precisamos de florestas tropicais saudáveis e intactas tanto para manter o planeta fresco como para ajudar a regular os padrões globais de chuva que possibilitam que as nossas plantações possam crescer e desenvolver-se. É tonto pensar-se que podemos dar-nos ao luxo de condenarmos milhões de espécies de plantas e de animais à extinção e que ficaremos a salvo. Não será assim.

Para saber mais ou envolver-se e apoiar o projecto National Geographic Photo Ark visite: NatGeoPhotoArk.org

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