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Nortúmbria, Mércia, Ânglia Oriental e Wessex. Foram estes os reinos que no século X se reuniram concretizando o sonho de uma nação anglo-saxónica. Há cerca de 1095 anos nascia a Inglaterra. Alfred, que projectara a ideia, já não assistiria a este momento. Seria Athelstan, seu neto, a torná-la real. Este ano, 15 dinastias e um protectorado mais tarde, Elizabeth II celebrou o Jubileu de Platina. Passados mais de mil anos sobre a sua morte, a nação, o sonho e o carácter de Alfred perduram

Cumpre-se em 2022 o Jubileu de Platina da Rainha Elizabeth II. Aos 96 anos e com 70 de reinado, Elizabeth representou os valores rígidos e incontornáveis que desde o início da fundação de Inglaterra enquanto nação pautam a conduta do monarca inglês. Herdeira de um legado centenário, a rainha representou sem dúvida a história inglesa e todo um passado que remonta à era em que os habitantes das chamadas ilhas britânicas eram os celtas. Se o seu reinado foi longo, longa é também a história de Inglaterra, o berço de Elizabeth que se origina sobretudo graças à visão, à determinação e à perseverança de um homem em especial: Alfred, o Grande.

Regressamos ao século IX, ao ano de 871, e vamos até Wessex, território aproximadamente correspondente aos actuais condados de Hampshire, Dorset, Wiltshire e Somerset. No seguimento da morte do irmão, Alfred sucede a um reino composto por saxões descendentes de tribos germânicas (anglos, frísios, jutos e saxões) que no século V rumaram à Grã-Bretanha vindos da Europa continental. A conjuntura de então era tudo menos favorável, já que desde o século VIII se verificava a chegada de vikings às costas britânicas. Realizando inicialmente as incursões a partir da costa do reino de Nortúmbria (no norte de Inglaterra e onde estão hoje localizadas cidades como Manchester, Liverpool, Newcastle upon Tyne, Sheffield, Leeds e Bradford), no norte, os povos invasores que aqui chegavam (escandinavos) eram na grande maioria provenientes da Dinamarca, daí serem à época apelidados de “Danes”. Vinham em busca de melhores oportunidades de vida. Começando por dedicar-se a pilhar artigos de valor que conseguissem carregar de volta, passam depois a procurar terras que pudessem “arar para se sustentar”, como narra a “Crónica Anglo-Saxónica” de 876. Não se limitaram ao reino da Nortúmbria e desceram depois para os reinos de Mércia (as actuais Midlands e coração da nação com cidades como Leicester, Birmingham, Worchester e Northampton) e da Ânglia Oriental (que reunia o território dos actuais condados de Norfolk e Suffolk) tomando o seu controlo. Wessex era, então, o último reino em mãos anglo-saxónicas. Juntamente com Essex, Sussex, Kent, Mercia, Ânglia Oriental e Nortúmbria formara a Heptarquia (“hepta” do grego, a significar “sete” e “arquia” “autoridade”), que corresponde ao período entre a conquista anglo-saxã do território meridional da ilha (e ao qual na altura chamavam Angleland) e a chegada dos vikings. Na época em que Alfredo governaria, Wessex seria o único reino não invadido pelos aguerridos “Danes” e é precisamente neste contexto que o rei virá marcar a história de um modo que a nação britânica jamais esquecerá.

O berço de Inglaterra

Reino anglo-saxão localizado no sul da Grã-Bretanha, Wessex viria a assistir ao nascimento do sonho de unificação dos reinos numa só nação. A Angleland que sobrevivera até à chegada viking transformar-se-ia numa demanda não apenas de carácter político e estratégico em termos territoriais, mas também numa questão religiosa de supremacia cristã sobre a religião viking, na altura apelidada de pagã. Alfredo venceria batalha após batalha promovendo posteriormente a integração dos nórdicos da Europa nas suas próprias terras depois de jurarem lealdade ao rei de Wessex.

A paz seria por si promovida e o sonho de recuperação de todo o território como uma nação única. O sonho de uma Inglaterra como país nasceria com Alfred, o único soberano nas ilhas britânicas a obter o epiteto de “o Grande”, além de Canuto, que os ingleses conheceriam mais tarde. Tendo vivido cerca de 50 anos, Alfred era à época da sua morte, em 899, o governante dominante no que viria a tornar-se a Inglaterra. Reputado como homem culto e misericordioso, incentivou a educação e melhorou o sistema legal e a estrutura militar do reino. Calcula-se que terá sofrido da doença de Crohn e em Winchester encontra-se ainda retratado em estátua como grande guerreiro que, embora não fosse fisicamente forte, era corajoso e muito inteligente. A verdade é que a história prova o seu rasgo de asa ao projectar uma Inglaterra unida na pessoa de um só governante, tendo feito inúmeros sacrifícios em favor da coroa e da posição que detinha. Da sua época data também a “Crónica Anglo-Saxónica”, provavelmente escrita para promover a unificação. Asser, o bispo de Sherborne, escreveu em 893 a biografia “Life of King Alfred”, manuscrito cujas transcrições possibilitaram a sua reconstrução e que representa actualmente a principal fonte de informação acerca da vida do rei. Com base na “Crónica Anglo-Saxónica”, Alfred não só apela à unificação como deixa para a posteridade o registo histórico da nação. Também para justificar o resgate cultural e possibilitar esta unificação, Alfred inspira-se noutras obras e forja o mito de que os anglo-saxões eram herdeiros espirituais dos hebreus do Velho Testamento e que os seus reis seriam descendentes de uma linhagem sagrada com origem num filho de Noé. Primeiro governante a ser chamado rei dos anglo-saxões, Alfred não assistiu contudo à unificação com que tanto sonhara. Esta viria a concretizar-se apenas no reinado do seu neto Athelstan, filho de Edward, The Elder, em 927, com a conquista de York, o último território viking. Athelstan seria então considerado o primeiro rei inglês de facto, tendo ainda alcançado êxitos militares consideráveis e estendido o seu domínio às regiões de Gales e da Cornualha.

Onde tudo nasceu…

Se Wessex representa o berço da nação inglesa, Winchester será o seu coração. Esta “cidade catedral” e actual capital do condado de Hampshire foi no passado a principal metrópole de Inglaterra. Trata-se de uma das mais caras e desejadas do país em virtude do interesse arquitectónico e histórico que detém e também da sua localização de fácil acesso a outras cidades inglesas. Ali, destaca-se naturalmente a Catedral de Winchester, uma das maiores da Europa. De estilo gótico, começou a ser construída no século XI no lugar onde em 645 se ergueu uma igreja que ao longo dos 350 anos foi encarada como a mais importante de toda a Inglaterra anglo-saxónica, constituindo local de eventos importantes como a coroação de Eduardo, o Confessor, e o casamento de Maria I de Inglaterra e tendo sido ali sepultadas figuras proeminentes da história britânica como Alfred, o Grande, e Edward, the Elder. A cidade terá começado por ser uma fortificação celta, crescendo depois com a conquista de Roma (e passando a chamar-se Venta Belgarum) e descobrindo uma nova identidade saxónica na era de Alfred, era a partir da qual permaneceu como capital do reino até 1066, aquando da invasão normanda. A Winchester recorrem também as lendas arturianas, localizando o Rei Artur nesta geografia nos finais do século V, inícios de VI. De acordo com a narrativa, de origem bretã, Artur terá combatido a invasão anglo-saxónica neste período. Segundo Thomas Malory em “Morte d’Artur” Camelot ter-se-á estabelecido em Hampshire, mais precisamente na cidade de Winchester. O Castelo de Winchester terá exibido uma mesa redonda de madeira ao longo de centenas de anos e na qual se encontram inscritos os nomes de Artur e de 24 dos seus cavaleiros. Esta mesa, que após exames de datação de carbono se calcula ter sido construída no século XIII (época coincidente com a da construção do próprio castelo e do qual resta ainda o Grande Salão) ainda hoje pode ser apreciada.

O melhor do condado de Hampshire

A cidade de Winchester localiza-se em Hampshire, região correspondente ao antigo condado de Wessex que terá assistido à chegada de romanos, de anglo-saxões e de dinamarqueses (vikings). O Hampshire emergiu como centro do que se terá tornado o reino mais poderoso da Bretanha, o Reino de Wessex. Por volta do século VII parece que a maioria da população já dava preferência ao inglês antigo perante o antigo britónico. Volvidos séculos, esta região voltaria a ser determinante em combate, desta feita em ambas as guerras mundiais. Nasceram ali vultos da história e da cultura como Charles Dickens, Alice Liddell (a inspiração de Lewis Carol para “Alice no País das Maravilhas”) e ergueram-se castelos impressionantes que ainda hoje fazem parte do nosso imaginário, como é o caso de Highclere Castle, onde habitou o conde Carnarvon, que patrocinou a descoberta arqueológica do túmulo de Tutankamon e cujos actuais proprietários seus descendentes autorizaram a servir como local de rodagem da famosa série “Downtown Abbey”.

Através deste périplo pelo tempo, regressamos à actualidade e à celebração do Jubileu de Platina da Rainha, também assinalado em Winchester, na Catedral, onde o aniversário será celebrado entre 20 de Maio e 5 de Junho. Eventualmente com todo o sentido, Winchester regressa à posição central da vida real inglesa, tendo desempenhado um papel de enorme importância e destaque para que, um dia, viesse a ser possível viver de facto o sonho de Alfred e de uma Inglaterra unida.

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