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Situado no Golfo da Guiné, este país composto apenas por duas ilhas e o segundo mais pequeno do continente africano combina paisagens naturais extraordinariamente deslumbrantes com uma história muito particular. Por ele passa o Equador, mesmo no centro do Mundo…

Fotos Scott Ramsay/HBD Príncipe e D.R.

Tenho uma ilha por dentro de mim

cheia de corais e praias sem fim

que chora e repete na longa distância

os dias e as horas que me deu na infância

tenho as canoas correndo na alma

e bebo em orgias vinho de palma

na roça à noite varrendo o terreiro

eu falo e discuto com piadô feiticeiro

santo é o seu nome e santa é a gente

que as ilhas povoam bendito o seu ventre

tenho uma ilha por dentro de mim

cheia de floresta de mato capim

que chora e repete no porto de abrigo

os dias e as horas que eu trouxe comigo

Olinda Beja, Ilha

São Tomé…

Com um clima tropical húmido, temperaturas médias máximas situadas entre os 28 os 31 graus centígrados e as médias mínimas entre os 21 e os 23ºC, São Tomé e Príncipe vive duas estações distintas ao longo do ano, a das chuvas (entre Outubro e meados de Maio e quando as temperaturas alcançam os valores mais elevados) e a estação seca ou gravana, que se estende de Junho a Setembro. Na verdade, qualquer estação do ano acaba por ser a “altura ideal” para conhecer estas ilhas, tal é a beleza de que gozam, a tranquilidade que proporcionam e a simpatia e generosidade das suas gentes. Neste país onde tudo decorre lentamente e ao ritmo próprio da Natureza, o tempo duplica e com ele também o viajante rejuvenesce ficando mais próximo de si próprio.

São Tomé e Príncipe é um país muitíssimo seguro, proporcionando uma experiência maravilhosa a quem o visita. Desde uma luxuriante selva, às praias imaculadas, tudo ali assume uma característica superior. As praias são especialmente atraentes na ilha do Príncipe, verdadeiro paraíso perdido de intensas tonalidades de verde onde habitam apenas cerca de sete mil pessoas e onde se pode experimentar todo o tipo de actividades, desde o snorkeling, à pesca, à observação e aves e até ao surf.

De origem vulcânica, São Tomé terá nascido há cerca de 15,7 milhões de anos e o Príncipe será ainda anterior, contado actualmente 31 milhões de anos. Estes dados relativos à antiguidade das ilhas impressionam, tal como acontece quando, ao chegarmos ao ilhéu das Rolas, observamos o marco que assinala passar ali a linha do Equador dando-nos imediata consciência de nos encontrarmos bem “no centro” do Mundo…

Rolas…

Acessível apenas de barco a partir de Porto Alegre, em São Tomé, o Ilhéu das Rolas vive apenas do turismo. Seria Gago Coutinho que, ao comando de uma missão geodésica realizada entre 1915 e 1918, comprovaria a passagem da Linha do Equador neste ilhéu erigindo-se então ali, em 1936, o Padrão do Equador que assinala este ponto de referência e que, a par com as condições naturais, torna especial este destino. Aqui o destaque vai obviamente para a exuberante beleza da Praia Bateria e para os contrastes do azul-turqueza das águas com o negro da rocha, o esmeralda da vegetação e as areias brancas.

Príncipe…

Desengane-se o viajante que imagine encontrar apenas no Ilhéu das Rolas um refúgio de paz, esplendor e tranquilidade. A ilha do Príncipe reúne todas estas características e muitas mais maravilhas. A uns escassos trinta minutos de avioneta de São Tomé, mantém-se inalterada desde a chegada dos portugueses, em Janeiro de 1471. Conserva até hoje a sua aura de reclusão e de paraíso inviolado, seduzindo de modo tão subtil qualquer um que ali se dirija para não mais se desvanecer em memória alguma. A Ilha do Príncipe constitui uma reserva da biosfera mundial desde Julho de 2012 reunindo em pouco mais de 140 quilómetros quadrados cerca de 40 espécies endémicas tanto em termos de fauna como de flora e de que são exemplo o habitat aquático e as espécies de tartarugas únicas no planeta. A classificação atribuída pela UNESCO reforça, pois, desde aquele ano a já existente preocupação por parte das autoridades locais com a protecção e conservação da Natureza e da biodiversidade.

O cenário de exuberante vegetação tropical constitui uma das principais referências paisagísticas do Príncipe, a par com a inigualável beleza que os seus vales, rios e riachos apresentam. A reserva da biosfera inclui toda a Ilha do Príncipe e as ilhotas de Bom Bom, Boné do Jóquei, Mosteiros, Santana e Pedra da Galé e ainda as Ilhas Tinhosas. Sendo morada de uma enorme biodiversidade de ecossistemas terrestres e marinhos onde encontramos muitas espécies endémicas, nomeadamente de plantas vasculares, molúsculos, insectos, aves, répteis e morcegos, a reserva da biosfera integra parte do território da África Ocidental onde mais biodiversidade encontramos ao nível de florestas tropicais. Considerando a importância que esta geografia assume na reprodução de aves e tartarugas marinhas e ainda de cetáceos bem como de recifes de coral na cena internacional, representa sem dúvida, uma região de enorme interesse para a conservação da diversidade biológica global. A Fundação Príncipe, por exemplo, é um exemplo do esforço de conservação que se tem verificado na ilha. Organização não-governamental ali criada em 2015 como braço ambiental e social do Grupo HBD e financiada por Mark Shuttleworth, centra-se na protecção da biodiversidade e no desenvolvimento social e económico das comunidades da ilha. Dos seus projectos de conservação marinha, terrestre e de desenvolvimento da população, destacam-se os que protegem a existência de espécies como as tartarugas, o tordo do Príncipe ou o búzio de Obô entre tantos outros.

Memórias coloniais…

A 140 quilómetros da Ilha de São Tomé, a Ilha do Príncipe foi descoberta em 17 de Janeiro de 1471, dia de Santo Antão, por João de Santarém, Pedro Escobar e João de Paiva. A ilha ficaria inicialmente baptizada como “Santo Antão”, até em 1502 mudar para “Príncipe” em honra do Príncipe de Portugal a quem seriam pagos impostos sobre a produção de açúcar ali desenvolvida. Na verdade, e tal como São Tomé ao longo do século XVI, a Ilha do Príncipe viria a constituir um centro de produção de açúcar e mais tarde de café e cacau, uma lucrativa economia de plantação que dependia muito da importação de escravos africanos, do rico solo vulcânico e da proximidade com a linha do Equador.

Com a abolição da escravatura no século XIX, o trabalho de mão-de-obra passaria a depender de assalariados e mais tarde, em 1953, os traços do colonialismo far-se-iam sentir de modo brutal. Com a recusa da população nativa em aderir ao trabalho assalariado nas roças e na realização de obras públicas e perante a falta da mesma, o governador-geral Carlos Gorgulho acabaria por investir num ataque brutal à população negra justificando-se com a necessidade de que esta necessitava de “redimir as suas faltas pelo trabalho”. Os sobreviventes do Massacre de Batepá, cujo número de vítimas é ainda controverso (entre 200 e 1032) uma vez que grande parte foi ou sepultada nas florestas pelos seus compatriotas ou atirada ao mar ou enterrada em valas comuns por ordens do governador, foram assim obrigados ao trabalho forçado. As narrativas da época são arrepiantes, com descrições de torturas como o “esvaziamento do mar”, na qual as vítimas eram obrigadas a carregar baldes de água do mar de um lado para o outro ou agrilhoadas pela cintura e pelo pescoço enquanto transportavam baldes de pedras à cabeça ao mesmo tempo que eram vergastadas com chicotes feitos de tiras de pneus. A natureza do colonialismo português que em São Tomé e Príncipe persistiu ao longo de cinco séculos ficaria deste modo exposta e viria mais tarde a ser confirmada aquando da guerra colonial. A 12 de Julho de 1975, São Tomé e Príncipe alcançaria a própria independência. As roças permaneceram até hoje, mas em modelos de funcionamento distintos, com o café e o cacau a assegurar a principal fonte económica nacional.

A alma da terra…

Actualmente, visitar São Tomé e Príncipe é mergulhar num autêntico paraíso secreto de ilhas de uma beleza selvagem e quase primitiva absolutamente esmagadora. Serão, no entanto, as suas gentes a ser definidas pela grande maioria dos viajantes como o ex-líbris do país, representando na sua generosidade e alegria o melhor que a nação poderá algum dia oferecer a quem chega. O chocolate do engenheiro agrónomo italiano Corallo, o teatro, música e dança tchiloli que ainda ficou do século XVI, o peixe, o marisco, o milho, o arroz, o feijão e a fruta, as furnas do Ilhéu das Rolas, os 2024 metros de altura do Pico de São Tomé, o Forte de São Sebastião, as jazidas de petróleo e gás natural presentes nas suas águas territoriais, o Parque Natural do Obô, o aroma do calulu, o maravilhoso café e todas as maravilhas realmente apaixonantes deste paraíso banhado pelas águas quentes do Atlântico são vertiginosamente ultrapassados se comparados com a alma do são-tomense que, na expressão de um sorriso sincero, torna clara a noção de que o segredo da felicidade poderá estar mesmo no que mais simples e próximo do mundo natural existe e, no entanto, se encontra no centro do Mundo…

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