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O início da conquista dos ares encontra a sua génese no século XVIII, em Bartolomeu de Gusmão, o “padre-voador” luso-brasileiro

Foi sacerdote secular, cientista e inventor. Nasceu em 1685 em Santos, São Paulo, no Brasil, quarto dos 12 filhos do cirurgião Francisco Lourenço Rodrigues e de Maria Álvares, sendo baptizado Bartolomeu Lourenço. O apelido Gusmão viria mais tarde ao adoptar o apelido do preceptor e protector jesuíta Alexandre de Gusmão.

Jovem e inventor

Com formação eclesiástica, é no Seminário de Belém que começam as revelar-se os seus dotes como inventor ao conceber um mecanismo de transporte de água que lhe valeu o reconhecimento por parte de todo o seminário e principalmente por Alexandre de Gusmão, o jesuíta que o tomara ao seu cuidado. A primeira patente de invenção outorgada a um brasileiro seria precisamente a deste invento, que Bartolomeu reclamou em 1707, um ano antes de ser ordenado padre e de rumar pela segunda vez a Portugal para se matricular na Faculdade de Cânones da Universidade de Coimbra. Representado pelo 3º Marquês de Fontes e com fama de ser excepcionalmente inteligente, acaba por ser recebido pelo Rei D. João V e por Maria Ana de Áustria apresentando, então, uma “petição de privilégio” para aquilo que define como um “instrumento para se andar pelo ar”. Na origem deste ensejo criativo estaria, diz-se, a observação de uma bola de sabão a pairar no ar elevada pelo ar quente da chama de uma vela e que suscitara em Gusmão a ideia de conceber um aparelho que fosse mais pesado do que o ar e capaz de voar.

O primórdio do balão de ar quente

Seria deste modo que nasceria o primeiro aeróstato ou balão, causando em toda a Lisboa grande notícia e o espanto espalhando-se por reinos vizinhos da Europa, que através de desenhos fantasiosos retratavam o invento como uma barca com o formato de um pássaro. Nascia assim a “passarola”, o primeiro aeróstato ou instrumento voador da história. O dia 7 de Agosto ficaria como aquele em que, depois de algumas tentativas, Bartolomeu de Gusmão apresentaria perante a corte a experiência de lançamento do balonete do Paço Real (Terreiro do Paço), em Lisboa, com este a elevar-se a grande altura e pousando lentamente minutos depois. O sucesso da experiência seria repetido novamente no dia seguinte na Sala das Audiências, no interior do Palácio Real e perante o cardeal Miguelângelo Conti (futuro Papa Inocêncio XIII), a Academia Real de História Portuguesa, diplomatas e cronistas.

A passarola

As imagens que nos chegam da famosa “passarola” não passam de meras ilustrações fantasiosas, já que se provou terem sido forjadas pela única pessoa que tinha acesso aos inventos de Gusmão além do próprio. Tendo assumido o acompanhamento do filho mais velho do Marquês de Fontes nas matemáticas, o precursor da navegação aérea permitia-lhe a ele – e só ele – o acesso ao recinto onde guardava o engenho voador. Porque ao rapaz muitas pessoas recorriam para obter informações (que este não podia dar), o jovem lembrou-se de propor ao “mestre” ser ele mesmo a criar a imagem ficcional da tal “passarola” e que ainda hoje reconhecemos nas ilustrações antigas. Bartolomeu de Gusmão, que deveria ter um sentido de humor muito apurado, concordou com o rapaz e incentivou que este desenhasse o que bem lhe apetecesse desde que não revelasse os seus “segredos”. A “passarola” surgia assim com inspiração na fabulosa fauna das lendas brasileiras, sendo de imediato copiada Europa fora e constituindo para a dupla responsável uma enorme fonte de risota.

Um absoluto visionário

Triste será adiantar que o mundo pouco quis saber deste importante e inovador passo que estará na origem da aeronáutica. O invento não se popularizou por ser desprovido de mecanismos de controlo. Porque sujeito às vontades do vento, foi considerado perigoso e o desenvolvimento de protótipos acabou por ficar por aqui. Bartolomeu de Gusmão manter-se-ia como inventor pelo menos até 1713, quando na Holanda e depois de viajar pela Europa, registou uma “máquina para a drenagem da água alagadora das embarcações de alto mar”, vivendo em Paris e tornando a Portugal mais tarde. Pouco depois partiria para Espanha, Toledo, onde, em Setembro de 1724 viria a morrer, aos 38 anos, vítima de grave doença. O seu interesse pela ciência poderia ter suscitado perseguições por parte do Santo Ofício, mas a verdade é que D. João V apreciava Bartolomeu de Gusmão o suficiente para o elevar a fidalgo capelão-mor da Capela Real e mais tarde designá-lo como sócio efectivo da Academia Real de História. A sua fuga da Inquisição para Toledo terá sido consequência de acusações que sobre si recaíram acerca de uma eventual conversão ao judaísmo, algo definitivamente perigoso numa época em que abundavam os autos-de-fé. De acordo com a narrativa do irmão carmelita que o acompanhou até Espanha, Bartolomeu de Gusmão viveu os últimos dias assaltado com ideias acerca da vinda do Messias e sobre o Quinto Império, este último tão caro ao Padre António Vieira e talvez o verdadeiro móbil para a invenção, já que voando seria muito mais fácil cumprir o desígnio de chegar ao outro lado do mundo ou de descobrir novos universos.

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