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O requinte, a elegância e a memória do mais famoso comboio do Mundo

Verdadeira obra de arte e autêntico ícone da Arte Deco, o lendário Venice Simplon-Orient-Express representa um dos mais celebrados modos de viajar. Com várias rotas possíveis ao longo do ano, apenas uma vez em 365 dias cumpre a mítica rota Paris-Istambul, Istanbul-Paris, signature journeys a bordo do comboio que nos transporta para a era dourada das viagens

O lendário Venice Simplon-Orient-Express recria toda a magia da idade do ouro no que diz respeito às viagens. A colecção de carruagens originais dos anos 20 que na altura foram concebidas para transportar ricos, famosos e poderosos pela Europa fora representa hoje uma das mais extraordinárias de todo o mundo. Todas as suas 17 carruagens foram outrora parte integrante de um glamoroso comboio histórico como o Le Train Bleu e o Rome Express – tendo assim cada uma delas a sua própria história para contar.

O advento das viagens aéreas causou o desinteresse pelos comboios de luxo – mas em 1977 o americano James B. Sherwood (fundador do portfolio Belmond) percebeu que havia um renovado apetite por um estilo de viagens mais elegantes. Encorajado pelo crescente interesse por carruagens antigas num leilão em Monte Carlo, adquiriu duas cabines com o objectivo de lançar um fabuloso comboio vintage que ligasse Londres a Veneza. Continuou a procurar por toda a Europa mais carruagens, visitando museus, estações ferroviárias e até jardins privados onde permaneciam algumas carruagens em absoluto abandono ou que eram usadas como elaboradas salas de jantar. Todas foram cuidadosamente restauradas e devolvidas ao seu esplendor Art Deco, relançando-se o tradicional modo de transporte em 1982, com o Venice Simplon-Orient-Express.

Duas das carruagens-cama, 3543 e 3544, exibem no seu interior o design do reconhecido René Prou. Durante a Segunda Guerra Mundial a última encontrava-se em Limoges, onde funcionava como bordel e é sabido que a carruagem-cama 3425 integrou o comboio onde o Rei Carlos II da Roménia fugiu com a sua amante em 1940.

As três carruagens-restaurante têm igualmente um passado intrigante. A Etoille du Nord, com maravilhosos embutidos, fez outrora parte do Expresso do Danúbio, que ligava Bucareste a Constância e mais tarde integrou a corrida inaugural do Rápido do Rei D. Carlos I – serviço que percorria a Roménia ao longo do Mar Negro. A carruagem L’Oriental, decorada a laca preta, integrou em tempos o Cote d’Azur, um comboio que transportava as novidades de Paris para Nice. A carruagem-restaurante 4141 também fazia parte deste glamoroso comboio tendo-se mais tarde juntado ao Deauville Express. Nela podemos ainda apreciar os painéis de figuras clássicas concebidos pelo famoso artista René Lalique.

Diversas rotas, um só luxo…

O Venice Simplon-Orient-Express percorre a Europa continental. A viagem clássica consiste na ligação semanal entre Londres e Veneza via Paris pelos Alpes e através da Lagoa de Veneza. As duas rotas são ligeiramente diferentes, proporcionando experiências distintas: de Londres para Veneza o comboio passa pelo Túnel de São Gotardo e de Veneza para Londres pelo túnel de Arlberg. Cada percurso conta com o seu próprio e inesquecível cenário: a Torre Eiffel ilumina a noite parisiense enquanto os passageiros apreciam o seu jantar e quando no dia seguinte acordam já a neve cobriu os Alpes. A caminho de Berlim, o comboio atravessa a garganta do Reno avistando-se no topo dos penhascos uma série de castelos antigos. Junto à margem do rio, o comboio visita o misterioso Loreley, onde, diz-se ainda, uma ninfa atraía os marinheiros levando-os à morte.

Há ainda a viagem de um dia e duas noites por algumas das mais belas e românticas cidades europeias, onde a História assinala igualmente a sua presença, como Paris, Veneza, Praga, Viena e Budapeste.

Ao longo de um percurso de quatro noites e cinco dias o Simplon liga Veneza a Paris com paragem de uma noite num hotel em Budapeste. O período é o mesmo para a ligação estabelecida entre Veneza e Paris com paragem de duas noites num hotel em Praga ou em Viena.

Uma vez por ano, o Venice Simplon-Orient-Express faz a ligação entre Paris e Istambul num total de cinco noites. Esta entusiasmante viagem inclui paragens de uma noite em Budapeste e Bucareste e intervalos diários em Sinaia, na Roménia, e em Varna, na Bulgária, realizando-se excursões a estes fascinantes destinos. Depois o comboio segue de Istambul até Veneza. Um dos momentos altos deste percurso toma lugar quando o comboio pára em Varna, junto ao Mar Negro, e todos os passageiros apresentam o respectivo passaporte que será carimbado antes de atravessarem a fronteira entre a Bulgária e a Turquia, o que acaba por transformar-se numa entusiasmante ocasião social.

Foi ainda recentemente lançada uma rota anual Paris-Berlim, estabelecendo uma ligação entre estes dois dinâmicos cenários culturais europeus.

Um comboio de outro tempo

Os passageiros do Venice Simplon-Orient-Express são recebidos a bordo por um assistente que, de luvas brancas e uniforme azul e dourado, os acompanha ao longo da viagem. Assim que sobem a bordo do comboio são encaminhados para as suas sofisticadas cabines onde, como que por milagre, já se encontram as bagagens devidamente arrumadas.

O jantar representa outro momento muito especial nas viagens realizadas a bordo do Venice Simplon-Orient-Express e para o qual os passageiros se vestem a rigor. O pequeno-almoço e o chá da tarde são servidos na cabine, mas o almoço e o jantar são degustados nas absolutamente magníficas carruagens-restaurante. A carruagem-bar representa sempre um espaço concorrido e animado onde os passageiros se reúnem antes das refeições só encerrando após o último passageiro se dirigir aos seus aposentos.

O comboio é composto pelas já referidas e famosas carruagens-cama, por três carruagens-restaurante, por uma carruagem bar com piano e onde se conta com um pianista residente e uma boutique. Cada carruagem exibe madeiras polidas, embutidos maravilhosos e elegantes detalhes como candelabros e ganchos para pendurar relógios de bolso.

As cabines apresentam-se nas versões  single e twin, sendo possível optar pela alternativa que reúne duas cabines criando uma suite. Durante o dia um sofá encontra-se confortável e elegantemente alinhado com uma das paredes e quando os passageiros regressam do jantar já a sua cabine foi transformada num luxuoso quarto, com camas de lençóis impecavelmente passados a ferro e convidativas almofadas de linho que anunciam um repouso descansado. Após o pequeno-almoço, enquanto os passageiros passeiam pelo comboio, a cabine é novamente devolvida à condição de misteriosa sala de estar onde nunca se adivinharia possível a existência de um quarto de dormir. Nesta opção, cada carruagem inclui um elegante lavatório que desaparece para dentro de um armário. As casas de banho encontram-se no final de cada carruagem.

Uma estrela sobre carris

A 4 de Outubro de 1883, um comboio partia da Gare de Estrasburgo, em Paris, com destino à longínqua Roménia. Era composto por uma pequena mas elegante locomotiva Express 2.4.0: No. 505, da Chemin de Fer de l’Est, um furgão de quatro rodas, duas carruagens-cama enormes para aquilo a que na época era habitual e igualmente luxuoso. A carruagem-restaurante era igualmente ampla e magnificamente equipada com uma sala para fumadores. A última carruagem era reservada aos funcionários.

Chamava-se Expresso do Oriente e transportava cerca de 40 passageiros, todos eles convidados pela pessoa que havia concebido esta ousada ideia – Georges Nagelmakers. A viagem inaugural foi obviamente seguida com manchetes em todo o mundo dito civilizado graças ao correspondente do The Times em Paris, que acompanhou a viagem e enviava regularmente crónicas e entrevistas ao rei Carlos da Roménia e ao sultão turco Abdhul Hamid II.

Naquele tempo, o comboio ficava em Giurgiu, 72 Km após Bucareste, junto ao Danúbio, e os viajantes tinham de passar o rio de balsa e seguir a bordo de um comboio de categoria inferior até Varna. Dali, era a bordo de um navio que, durante a noite, alcançavam Constantinopla. Na viragem do século, o comboio já alcançaria Constantinopla via Budapeste, Belgrado, Nisch e da capital búlgara, Sófia. Com quase 2.900 km de percurso a viagem duraria três noites.

Memórias que não se apagam

Nagelmackers tinha apenas 38 anos quando triunfou com o Expresso do Oriente. Gradualmente, o comboio consolidou-se como um veículo internacional sinónimo da mais elevada dignidade e requintada elegância. Na altura eram os britânicos quem mais viajava pela Europa, enchendo os comboios de luxo e os hotéis-palácio da época. Só com a chegada do novo século é que americanos, franceses e alemães começaram a marcar com mais veemência a sua presença neste tipo de viagens, juntando-se aos britânicos. Ricos e famosos, aristocratas e magnatas viajavam então no Expresso do Oriente para cidades como Viena, Budapeste, Bucareste e até ao fim da linha – Constantinopla. As lendas de espionagem e intriga só chegariam mais tarde, na década dos loucos anos 20

A inauguração do túnel Simplon, que cruzava os Alpes, alterou a história do Expresso do Oriente e em 1921 já o túnel contava com uma rota de mão dupla. A esta evolução Nagelmackers não chegou a assistir, tendo falecido no ano anterior à inauguração do túnel de Simplon. É precisamente este Simplon-Orient do período de 1907-1914 que foi imitado, sendo que o comboio eduardiano nunca foi tão grande ou luxuoso como a sua recriação moderna, o Venice Simplon-Orient-Express. Dos anos da guerra, recorda-se que em Novembro de 1918 a rendição alemã foi assinada no vagon-lit número 2419 do Expresso do Oriente. A carruagem foi posteriormente preservada como monumento e mais tarde Hitler usá-la-ia para assinar a rendição dos franceses, em 1940. A sua destruição, em 1945, ocorreria às mãos de uma unidade SS, de modo a impedir que caísse nas mãos dos aliados.

O sonho de Sherwood

Apesar do que se escrevia sobre o Orient-Express, o passageiro típico dos anos 20 e 30 não era nem espião, nem político. Obviamente haveria mensageiros e correios reais em todas as viagens, mas o seu número somado ao de espiões e traficantes de armas não era marcante. Os britânicos preenchiam a rota que partia de Calais e em Paris chegavam as autoridades francesas, turistas e franceses abastados. Ao cruzar a Bulgária não era impossível sentir a condução enérgica e irregular de Sua Majestade o Rei Boris III, entusiasta das ferrovias que por vezes assumia o posto de maquinista para conduzir a máquina. Após a Segunda Guerra Mundial, manifestou-se por diversas razões uma decadência do Expresso do Oriente. Só em 1977, com James Sherwood, é que o Expresso do Oriente viria a adquirir o glamour de outros tempos. Reconstruíram-se as carruagens num enorme esforço de trabalho de design e absoluta renovação do seu interior com grande fidelidade aos mínimos detalhes. O dia 25 de Maio de 1982 veria realizado o sonho de James Sherwood: o Venice Simplon-Orient-Express partia da Estação de Victoria para Veneza, naquela que seria a sua primeira viagem regular. A lista de passageiros incluía senhores e senhoras ingleses, aristocratas, personalidades do mundo do entretenimento, políticos e grandes magnatas da indústria. O mito renascia uma vez mais.

All aboard!

A Duquesa de Westminster, Michael Caine., Liza Minelli, Michael Palin, Simon Le Bom, William Hurt, Sir Peter Ustinov, Francis Ford Coppola, Keith Richards, Kenneth Branagh, Helena Bonham Carter, Peter Gabriel, John Travolta e J.K. Rowling são apenas algumas das inúmeras personalidades do mundo aristocrático, da música, do cinema e das artes que já viajaram a bordo do Venice Simplon-Orient-Express.

O Rei dos comboios

Dado o seu requinte, o Expresso do Oriente atraiu a atenção de alguns reis que nele viajaram, nem sempre apresentando um comportamento muito normal. Fernando da Bulgária, por exemplo, que tinha pavor de ser assassinado, foi apanhado trancado numa das casas de banho. Leopoldo II, da Bélgica, viajou nele até Istambul, onde contava infiltrar-se no harém de um turco e o presidente francês Paul Deschanel caiu desajeitadamente de uma das carruagens a meio da noite, tornando-se alvo de tal ridículo que acabou eventualmente por renunciar.

O Expresso do Oriente foi também conhecido como “o comboio dos espiões”. Diz-se que os agentes secretos adoravam o comboio já que atravessavam continentes muito mais facilmente e com muito maior conforto. Um destes agentes seria, por exemplo, Baden-Powell. Afirmava-se como lepidopterista a recolher amostras nos Balcãs, mas a verdade é que as intrincadas formas e cores das asas das borboletas que desenhava eram representações codificadas das fortificações que observou ao longo da costa da Dalmácia, que viriam a servir como grande auxílio para as marinhas britânica e italiana durante a Primeira Guerra Mundial.

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