13
Shares
Pinterest Google+

Texto e foto Cláudia Aranda

Há cada vez mais indícios do sucesso do Parque Nacional da Gorongosa na restauração da vida selvagem dizimada nos anos da guerra civil. As populações de elefantes e de leões estão a aumentar, assim como a dos antílopes. Ao leopardo avistado em 2018 juntou-se agora uma fêmea e espera-se que os cães selvagens chamados de mabecos venham a multiplicar-se. A Gorongosa é, também, dos lugares com maior biodiversidade do mundo. Com milhares de espécies documentadas de animais e plantas, e paisagens que abrangem quase todos os tipos de habitat encontrados no sudeste da África, a Gorongosa representa uma riqueza ecológica excepcional, defendem os cientistas

A população de elefantes do Parque Nacional da Gorongosa, em Moçambique, tem estado a crescer, anunciou o director de comunicação do parque Vasco Galante, ainda recentemente. Depois de baixar de 2.500 elefantes para cerca de 250 durante a guerra civil moçambicana, que se prolongou por 16 anos entre 1977 e 1992, a actual população de elefantes do parque está a aumentar e no final de Fevereiro de 2021 estimava-se que estivesse perto de atingir os mil exemplares.

Esta é apenas uma das muitas conquistas deste projecto que já acumula anos de trabalho na recuperação e conservação da biodiversidade e da fauna bravia dizimada pelos anos de guerra e subsequente abandono, tentando sempre manter o equilíbrio entre a recuperação da vida selvagem e as necessidades das populações que vivem em torno do parque.

O Prémio Kenton R. Miller de 2020 reconhece esse trabalho e foi atribuído ao administrador do Parque Nacional da Gorongosa (PNG) Pedro Muagura por se “destacar no desenvolvimento de políticas inovadoras” naquela área de conservação moçambicana. O prémio, entregue pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) e pela Comissão Mundial de Áreas Protegidas, homenageia conservacionistas que estão a dar “passos ousados” para garantir a sustentabilidade a longo prazo de áreas protegidas. Pedro Muagura foi escolhido devido aos seus esforços para promover o uso sustentável da terra, desenvolvimento comunitário e a conservação da biodiversidade no Parque Nacional da Gorongosa, com destaque para o projecto de cultivo de café, uma actividade promovida pelo parque e cujos lucros são aplicados em acções de formação de jovens mulheres residentes na área circundante.

O turista tem um papel na conservação

O Parque Nacional da Gorongosa tem sido descrito como “talvez, a maior história de restauração da vida selvagem em África”, sendo um projecto que tenta também proteger a paisagem e as populações locais. No final da guerra, em 1992, mais de 95% dos grandes mamíferos haviam sido dizimados. Aquele que havia sido um dos parques em África com vida selvagem mais densa e diversificada estava despovoado e abandonado. Parecia ter chegado o fim da Gorongosa, criada enquanto reserva de caça em 1920 e que, em 1960, a administração colonial portuguesa havia aumentado em área protegida e declarado como parque nacional.

Foi o norte-americano Greg Carr quem acreditou ser possível recuperar a Gorongosa quando, em 2004, visitou o acampamento de Chitengo, que acomoda os visitantes do parque, na altura bastante deteriorado. Carr, que fez fortuna nas décadas de 1980 e 1990 com o desenvolvimento e marketing de serviços de voice-mail e Internet, quis destinar 40 milhões de dólares norte-americanos ao projecto de restauração do parque. O compromisso foi assumido em 2004, com o acordo do governo de Moçambique, que assumiu o projecto como estratégico para o país. Em 2008 foi estabelecida uma Parceria Público-Privada de 20 anos para a gestão conjunta do parque entre o governo de Moçambique e a Fundação Carr, uma organização dos EUA sem fins lucrativos que foi chamada Projecto de Restauração da Gorongosa. Em 2018 esta parceria foi alargada por mais 25 anos.

Hoje, Carr, nascido em Idaho, passa mais de cinco meses por ano em Moçambique. “Trabalho com uma equipa dedicada de moçambicanos e colaboradores internacionais, usando a biologia da conservação para restaurar e proteger o ecossistema da Gorongosa”, descreve o filantropo na página online do parque. Além disso, o parque pretende continuar a atrair turismo local e internacional. Carr acredita que o turismo irá criar actividade económica que é necessária na região centro de Moçambique. “Um parque nacional bem gerido pode originar uma série de benefícios”, acrescenta o filantropo.

Esses benefícios, descreve Vasco Galante, multiplicam-se pelas várias áreas. Na área da conservação, através da proteção dos animais e das paisagens da Gorongosa, “estamos a garantir que as gerações futuras irão ter a oportunidade de conhecer e visitar este lugar especial”, refere. O parque também presta atenção às comunidades residentes em torno porque, “ao prestar assistência aos camponeses, e ao implementar programas educacionais e cuidados de saúde, podemos melhorar o bem-estar das comunidades locais, ganhando assim o seu apoio”, acrescenta. A actuação na área da ciência é fundamental pois, “ao estudar como todas as partes da complexa teia de vida da Gorongosa se encaixam umas nas outras, podemos tomar decisões informadas sobre conservação e gestão”. Por último, “ao desenvolver o turismo, estamos a criar empregos para a população local e a gerar receitas sustentáveis para o parque. Cada hóspede que visita a Gorongosa desempenha um papel vital neste extraordinário esforço de conservação”, explica Galante.

A riqueza biológica excepcional da Gorongosa

Um dos colaboradores da Gorongosa é o cientista norte-americano Edward O. Wilson, hoje com 91 anos, e um dos mais importantes naturalistas do mundo que dá nome ao laboratório de diversidade instalado no parque e, também, a uma nova espécie de morcego descoberta na Serra da Gorongosa e nas montanhas do centro e norte de Moçambique e sul do Malawi. A autoridade mundial em biologia de conservação e autor do livro Uma Janela para a Eternidade: A Caminhada de um Biólogo pelo Parque Nacional da Gorongosa classificou a Gorongosa como “o parque ecologicamente mais diversificado do mundo”.

“Com cerca de sete mil espécies documentadas de animais e plantas e paisagens que abrangem quase todos os tipos de habitat encontrados no sudeste de África, o Parque Nacional da Gorongosa representa uma riqueza biológica excepcional que deve ser protegida a todo custo”, disse recentemente Piotr Naskrecki, o cientista que dirige o laboratório de biodiversidade E. O. Wilson da Gorongosa, num comunicado citado pela fundação do biólogo Wilson.

A actuação na área da ciência não se limita à presença e pesquisa por parte de cientistas estrangeiros. A Gorongosa tem vindo a formar os seus próprios cientistas. Em 2019 e 2020, 12 estudantes concluíram as suas teses de mestrado e obtiveram o grau de mestre em biologia da conservação e em 2020 outros 12 novos estudantes começaram os estudos. Além disso, mais de 110 escolas primárias e secundárias foram construídas na zona tampão.

Alguns desses jovens já estão a dar cartas na área da investigação. É o caso de Domingas Matlombe, que em parceria com outra académica em Idaho, vai estudar os abutres. Em Moçambique, Domingas Matlombe analisará as interações dos abutres durante a alimentação e como as aves são vistas nas comunidades em redor do parque. Em Idaho, Rebecca Bishop concentrar-se-á nos requisitos de nidificação de abutres, uso do habitat como pastagens, savanas ou bosques e em padrões de nidificação. O que juntas descobrirem ajudará os cientistas a identificar o número de pares reprodutores e onde existem populações saudáveis. O projecto de investigação faz parte de uma parceria de longa data entre o Parque Nacional da Gorongosa, a Boise State University e o Intermountain Bird Observatory.

Resgatar o pangolim

Entretanto, o Parque Nacional da Gorongosa criou a primeira instalação de resgate de pangolins do país e “está na vanguarda dos cuidados veterinários e de reabilitação desta espécie em Moçambique”, segundo informação disponibilizada pelo director de comunicação. Até ao momento, mais de 40 pangolins foram resgatados e devolvidos à natureza. O pangolim – o mal-afamado animal pela sua alegada associação à eventual origem da contaminação de seres-humanos pelo vírus da COVID 19 – é um dos animais perseguidos pelos caçadores furtivos. Todas as oito espécies de pangolins – quatro nativas de África e outras quatro de Ásia – estão sinalizadas como espécies ameaçadas de extinção.

Em 2018 o avistamento de um leopardo na Gorongosa pela primeira vez ao fim de 14 anos – momento registado em fotografia e vídeo – foi encarado como mais um sinal do bem-sucedido projecto de repovoamento da vida selvagem desenvolvido nos últimos anos no parque moçambicano. O vídeo do noctívago leopardo a passear-se a uma curta distância do campo de Chitengo, onde estão centralizados os alojamentos e restantes serviços do parque, continua disponível nas redes sociais. Greg Carr, na altura, publicou no Twitter: “ontem à noite um leopardo foi avistado pelos nossos guias e alguns convidados a 10 minutos do acampamento de Chitengo. É a primeira vez em 14 anos que vemos um leopardo na parte sul do parque. Que sinal tão maravilhoso de que o ecossistema está a recuperar.“ Em Novembro de 2020, em parceria com organizações de vida selvagem da África do Sul, uma primeira fêmea leopardo foi transladada de avião e libertada no parque, onde as pegadas do macho continuam a ser avistadas esporadicamente, assim como o animal via sistemas de vigilância remotos.

Há cada vez mais leões no parque

Antes dos leopardos, foi preciso repovoar o parque de leões. As populações de leões ainda enfrentam muitos desafios em todo o continente africano. A caça furtiva relacionada com o comércio de carne de animais selvagens e a invasão de habitats são as maiores ameaças. Quando o parque lançou a primeira investigação em 2012, acreditava-se que havia apenas 30 a 40 leões. Em 2019, foram documentados pelo menos 146 leões em toda a reserva e dezenas de novos filhotes. Este triplicar da população deveu-se, sobretudo, ao trabalho dos fiscais no combate à caça furtiva, já que antes de 2015 um terço dos leões eram capturados, mutilados ou mortos por actividades humanas.

De acordo com a informação disponibilizada, o número de animais selvagens na Gorongosa tem aumentado gradualmente desde o início do projecto e os resultados do levantamento aéreo de 2018 mostraram um crescimento encorajador de grandes populações de mamíferos. No entanto, algumas espécies naturalmente endémicas da área da Grande Gorongosa precisam de apoio adicional, pelo que o projecto tem estado a trabalhar na reintrodução de várias espécies de herbívoros e carnívoros para ajudar a equilibrar a interação complexa de animais no ecossistema.

Em Abril de 2018, o projecto da Gorongosa, em parceria com o Endangered Wildlife Trust, reintroduziu uma alcateia de 14 mabecos, também chamados de cães selvagens africanos, marcando o retorno desta espécie em perigo ao parque. Há apenas cerca de 6.600 mabecos em África. O animal é um dos carnívoros em maior risco no continente e está listado pela IUCN como ‘ameaçado’. Em 2020 a população de mabecos do parque cresceu para 85, com a introdução de mais 50 animais.

Café que põe comida na mesa

Em 2010 o governo moçambicano decidiu alargar a área do parque para 4.067 km², bem como criar uma zona tampão de 3.300 km² à sua volta. Vivem cerca de 200 mil pessoas nas zonas tampão em redor do parque e é daqui que vem a equipa de 300 homens e mulheres fiscais que trabalham em mais de 12 mil quilómetros quadrados de paisagem alargada entre Gorongosa e Marromeu, uma localidade na mesma província de Sofala. Aliás, o parque tem contribuído para tirar dezenas de famílias da pobreza ao criar oportunidades de trabalho remunerado, empregando 700 funcionários permanentes e 400 sazonais e outros mil voluntários ganham contribuições pelo seu trabalho. Também a dar sustento às populações está o projecto de produção de café, que surgiu como resposta à necessidade de reflorestação do Monte Gorongosa. Cerca de 40% da floresta terá desaparecido nas últimas décadas e o café veio para contrariar a tendência e ajudar as populações. Isto porque as árvores plantadas fornecem a sombra necessária para as plantas de café crescerem. O café produzido no Parque Nacional da Gorongosa está disponível para compra através da Internet e quem o adquirir estará a ajudar famílias, uma vez que os lucros são canalizados para acções de educação de raparigas em redor do parque e protecção da fauna. Conforme indica um comunicado do parque, “as vendas do café da Gorongosa permitem que os agricultores locais tenham comida nas suas mesas e mandem os seus filhos para a escola – enquanto apoiam o ecossistema ao redor”.

Previous post

Agir agora para que se evite mais mudanças climáticas

Next post

Terra