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Joel Santos

Especializado em fotografia de viagens e na realização de documentários, abandonou uma carreira em Economia para abraçar o jornalismo e a fotografia, que utiliza para contar histórias sobre povos, tradições e lugares remotos de um modo despojado e verdadeiramente apaixonado. Embaixador da Canon, foi destacado nacional e internacionalmente dada a qualidade do trabalho que desenvolve e a dignidade com que empunha a objectiva, emprestando sempre algo de mágico e de profundo às imagens e momentos que prende no tempo. Simples, humilde e permanentemente insatisfeito, Joel Santos é um sonhador e um homem tornado criança no modo como consegue retirar um imenso prazer de cada projecto que cria e desenvolve. É sobretudo uma alma elevada e um espírito inovador cujo trabalho tivemos a honra de conhecer. Revelamos-lhe aqui um pouco de um dos melhores fotógrafos de viagens do Mundo.

T&S: Como é que duas áreas aparentemente tão diferentes – economia e fotografia – se conjugam no mesmo homem?

JS: Eu sempre gostei de fotografia. Aprendi a apreciá-la muito cedo com o meu pai, que era um grande entusiasta. Mais tarde, quando estava a finalizar o curso de Economia, faltava-me apenas uma disciplina e a minha mãe perguntou-me se queria fazer uma pausa e aceitar um trabalho que consistia em fazer gestão de fotografia em 3D. Aceitei. Estávamos em 2002, 2003 e fui visitar um tio que morava e ainda mora em Andorra. Recordo-me que gastei tudo o que tinha ganho naquele trabalho a comprar uma câmara digital, a minha primeira. Em 98 tinha feito uma viagem intercontinental e o meu pai tinha-me emprestado uma das suas câmaras. Fotografei tanto que nem tinha dinheiro para mandar revelar os rolos! (risos) Agora já não tinha esse problema! Podia disparar livremente! Em Setembro regressei à vida académica para fazer o mestrado, que iria durar um ano e meio. Pretendia obter uma média elevada pois tinha os meus objectivos muito estruturados. Queria ir trabalhar para o Banco de Portugal e acabei por não usar aquela câmara que tinha comprado em Andorra durante um ano pois não fazia mais nada além de estudar, estudar, estudar… Após todo o cansaço que implica a parte curricular do mestrado e no seguimento de um acontecimento com o meu avô, de quem era muito próximo, fiquei à beira de um esgotamento e fui obrigado a parar. Naquela altura recolhi-me em Oeiras e ia muitas vezes apanhar ar para a Serra de Sintra. Voltei à fotografia. Comecei por fazer fotografia em casa, recordo-me de fotografar uma torneira de água diariamente. A água fascinava-me e queria apanhá-la em movimento. Fiz também muita fotografia de natureza, o que para mim era libertador. Apaixonei-me profundamente, fotografar ajudava a simplificar tudo, limpava a cabeça e com aquelas fotos das gotas de água ainda fiz algum dinheiro ao vendê-las a uma companhia aérea. Naquela altura fiz a minha primeira capa… Entretanto acabei o mestrado e já sabia que, afinal, não queria ir para o Banco de Portugal. Sabia que já não podia passar o resto da vida entre quatro paredes, queria liberdade. E surge, então, a oportunidade de ir para Timor Leste dar aulas na universidade, o que aproveitei sem hesitar. Fotografar em Timor não era fácil pois não me dou bem com as medicações que previnem a malária e tinha mesmo de evitar ser mordido pelo mosquito. Em vez de fotografar praias, subia às montanhas, zonas onde não há mosquitos, e fotografava as pessoas que viviam ali quase num estado tribal. Fiz muita fotografia de retrato e muitas reportagens e acabei por ficar até ao final de 2006, quando regressei a Portugal para trabalhar numa revista de fotografia, já em 2007. Foi nesta revista que conheci a minha mulher e grande companheira Magali (Tarouca). A certa altura considerámos que podíamos arrancar os dois com um projecto comum e assim fizemos. No final de 2009, um dia acordo e percebo que não conseguia mexer-me graças ao excesso de stress em que vivia, percebi que não fazia mais sentido continuar a trabalhar para terceiros e arranquei com este projecto juntamente com a Magali, em 2010. Passámos a fazer viagens fotográficas, a dar formação regular, comecei a publicar livros, artigos, reportagens, tentando sempre fazer algo que os outros não tivessem já feito e a verdade é que nunca sabemos bem como, mas estamos sempre a aprender…

T&S: E no vosso caso… a contar histórias

JS: Recordo-me que um dos primeiros trabalhos que fiz incidiu sobre os pescadores na China. Naquela altura havia de facto uma história ali, havia uma cultura de 500, 600 anos… E agora com a mobilidade e também graças à forma como a fotografia é por muitos encarada, rebentamos com toda uma cultura. Agora para se fazer uma foto paga-se e corrompe-se em meses algo que era natural e ancestral… Veja-se o que aconteceu com a mediatização do caso da pequena que queria ser caçadora de águias na Mongólia (Aisholpan Nurgaiv) e que foi transformada em girl power e mais tarde em vedeta do facebook… A essência da história acabou por sucumbir… Logo a seguir toda a gente queria ir fotografar este fenómeno… O espírito mercantilista intervém e é muito forte…. Gosto de fotografar os vulcões porque além de serem algo que não é susceptível de ser corrompido, representam autênticas máquinas do tempo que nos permitem ver como era o passado; permitem-nos espreitar a origem da Terra. Adorei fotografar o anel de fogo na Indonésia, subimos o Kraratoa… Estivemos num lugar onde ninguém queria estar e a paisagem era surreal, incrível… Com a entrada da fotografia na minha vida deu-se realmente uma mudança inesperada em mim, que me mudou e me deu novas paixões. Aprendi que sou muito mais um homem de trocar as coisas seguras por algo que não o são, mas de que gosto muito.

T&S: Com mais de 40 países visitados, o que falta espreitar?

JS: Falta tudo. Sempre preferi voltar aos mesmos sítios, há sempre mais camadas para explorar. Conhecemos algo e depois voltamos e descobrimos mais… Já estive na Índia nove vezes e à Indonésia já regressei mais de 14. Sou lisboeta e já andei muito por esta cidade, mas sei que ainda não conheço tudo. Há sempre uma surpresa, aquele momento raro que surge e que nos revela algo…

T&S: A capacidade de nos maravilharmos com o que surge também é importante para que consigamos encontrar algo de novo no suposto conhecido…

JS: Sem dúvida, e agora com a evolução tecnológica da fotografia ainda mais… Por exemplo, já podemos fotografar a partir do céu, há um mundo de perspectivas por explorar quer na fotografia, quer no vídeo.

T&S: E se tivesse de escolher um destino onde ficar?

JS: Escolheria Portugal. É um país muito rico, com muita diversidade. Não temos as grandes paisagens que encontramos lá fora, mas temos recantos únicos no Mundo. Temos os Açores e o mar, a comida… Lisboa é um dos sítios mais bonitos do Mundo e eu nem sou um grande apreciador de cidades. Para que tenha uma ideia, conto-lhe um episódio que sucedeu em 1998 e no qual sou apanhado a fazer uma viagem que não era suposta acontecer. Eu queria muito ir a Nova Iorque e num jantar com um amigo 17 anos mais velho do que eu e que vivia em Macau recebi o seu convite para visitá-lo lá. Disse-me que o que eu precisava era de conhecer uma realidade diferente, que não fosse nada a Nova Iorque e que o visitasse em Macau… Muito contrariado, lá fui e percebi, então, que foi a melhor coisa que podia ter feito. Saí da minha zona de conforto e aprendi que o que realmente queria era ver coisas diferentes e ler nas entrelinhas… Adoro Portugal, apesar de todos os seus problemas e de saber que não é fácil e que aqui dá muito trabalho trilhar um caminho como o meu. Mas é um país incrível.

T&S: Numa viagem, o que é o melhor?

JS: É aprender. Sou muito curioso. Um local pode ser incrível, pode ser especial, mas torna-se tão ou mais especial consoante as pessoas que vêm connosco ou que encontramos. São os momentos que nos enriquecem, que nos tornam mais tolerantes, mais humanos e que nos ajudam a perceber que a felicidade pode estar no simples facto de termos um elástico à volta do pulso. Sou feliz a fotografar e a gravar coisas que não se repetem nunca mais. Tudo muda e a fotografia documenta isso mesmo. Cada momento é especial e irrepetível. Enquanto não temos distanciamento, não percebemos como estes momentos são raros e únicos. Até se pode tornar angustiante quando percebemos que não podemos estar sempre a registá-los… é desafiante. E eu preciso deste desequilíbrio para me equilibrar… Custa-me muito mais passar a ponte 25 de Abril a pé do que estar rodeado por kalashnikovs. É o que estou habituado a fazer. Só quando estamos fora do contexto é que tendemos a reparar mais nas coisas… Costumo dizer que uma velhinha é sempre mais bonita nos outros países. Porquê? Porque lá elas são diferentes e é na diferença que reside a sua riqueza.

T&S: Se aprender é o melhor de viajar, o pior é…

JS: Carregar! Andar com aquele peso todo atrás de nós. Objectivas, corpos, drones, carrega, descarrega, toda aquela logística. Às vezes penso que devia era estar em casa quietinho quando me vejo com quilos e quilos de equipamento às costas… (risos) O pior das viagens é a parte do peso e da logística.

T&S: Com tantas experiências que já passou e por tantos lugares que visitou, qual é a mais forte lição de vida, se é que podemos chamar-lhe assim, que retira destas experiências?

JS: Tem a ver com a principal razão de estarmos aqui, que é um privilégio. Tentamos perceber o que nos traz felicidade e muitas vezes ela chega pelas vias que não são as supostas. A viagem mostra-nos isso. A beleza e a felicidade estão nas coisas mais simples e em viagem revelam-se-nos, descobrimos isso. É uma aprendizagem que todos devíamos ter para nos reequacionarmos em relação ao Mundo e aos outros.

T&S: Com cerca de 17 anos de experiência nesta área, alcançou muito rapidamente o reconhecimento nacional e internacional. O que significa isso para si?

JS: Sou bastante insatisfeito e não fico assim tão contente com estas coisas. Por exemplo, quando terminei o curso recordo-me que os meus pais estavam mais contentes do que eu… Faço isto porque o faço a nível pessoal. Faço isto porque de alguma forma é importante para mim. Não tenho essa percepção de apreciação por parte do exterior. Fico muito mais impressionado quando percebo que posso mudar o rumo de alguém como fez o meu amigo José Antunes, que um dia me disse que esperava que se perdesse um economista e se ganhasse um fotógrafo. Foi ele que me incentivou a concorrer à nossa versão do World Press Photo, que acabei por vencer. Também fui eleito como o Travel Photographer of the Year, mas não sou focado nestas coisas. Claro que é importante, mas sempre achei que estes concursos são muito subjectivos, portanto…

T&S: E agora com esta pandemia? Como foi e como tem sido?

JS: A pandemia mudou tudo! Na altura a Magali e eu estávamos a gravar na Índia, a fazer um time lapse no topo de um edifício e de repente percebemos que ia passar a ser complicado entrar no país. Ora se ia ser complicado entrar, sair então também iria ser… Em meia hora mudámos toda a viagem e tratámos de regressar a Portugal. Íamos passar um mês e meio entre a Índia e a Rússia… Quando chegámos percebemos que não podíamos fazer nada… Ficámos uma semana a pensar e reinventámo-nos logo a seguir. Passámos a dar formações online, onde curiosamente alcançámos um público de que não estávamos à espera, sempre com pessoas com mais de 50 anos e até aos 70, e de outras partes Portugal e do estrangeiro. A pandemia trouxe-nos uma maior disposição para estarmos alerta relativamente à família, à leitura, à pintura… Alertou-nos para pararmos de correr, mas acredito que voltará tudo ao mesmo, as pessoas vão continuar a errar. Assim que a corda nos sair do pescoço volta tudo ao mesmo. É curioso que, tal como acontece nas viagens, a pandemia mostrou-nos que há coisas mais importantes e a pandemia foi de tal modo impactante que obrigou o Mundo a pensar nisto. No entanto, acredito que a maior parte das pessoas continuará a ser como era e a agir da mesma forma.

T&S: Como imagina o futuro das viagens?

JS: Penso que a economia se sobreporá ao resto e que as pessoas irão continuar a viajar, irão descontrair. Penso que o que irá mudar serão as viagens para países mais exóticos pois a Europa é relativamente segura, tanto a nível de infraestruturas como a nível hospitalar…

T&S: Qual é a pior coisa que pode acontecer em viagem?

TS: Um acidente. Algo que coloque a nossa integridade física em perigo. O bem mais precioso que temos é a vida. Na verdade, é o único bem de que dispomos. O pior é haver algo ou alguém que nos comprometa a este nível. Acredito mesmo que tudo o resto tem solução. É uma questão de pensar, de ter calma e de seguir em frente.

T&S: E qual é a melhor?

JS: Como disse atrás, aprender. Continuo a sentir-me um miúdo a brincar quando encontro algo que me maravilha. Tem a ver com a capacidade de nunca envelhecermos porque brincamos. Valorizo muito o termos esta capacidade de sermos patetas e de aprendermos. Desde que somos bebés que aprendemos, que adquirimos conhecimento, que é outro dos bens económicos mais valiosos. O conhecimento é de facto o pilar que nos distingue de todas as outras espécies. É o bem mais difícil de encontrar e de controlar pois ele espalha-se e vai encantar outras pessoas e pro aí fora. E nós, nós somos contadores de histórias.

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