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Cidades Imperiais; um mundo exótico aqui tão perto

A designação de cidades imperiais reporta às quatro cidades marroquinas que foram capitais das antigas dinastias reinantes no país: Fez, Marraquexe, Rabat e Meknès. Distintas, cada uma vale por si merecendo serem (re)descobertas ao longo de uma semana ou, se houver menos tempo, durante um fim-de-semana escolhendo apenas uma e deixando-se surpreender e envolver por um ambiente e vivência únicos.

O circuito inicia-se em Casablanca, a pouco mais de uma hora de voo de Lisboa. Cidade cosmopolita imortalizada no filme homónimo protagonizado por Humphrey Bogart  e Ingrid Bergman, ela é a porta de entrada de uma cultura tão diferente quanto atraente. O seu legado colonial francês encontra-se presente no centro da cidade numa mistura de estilo mouro e art déco europeia, característica que lhe acentua a beleza. Mas o seu cartão-de-visita é a Mesquita Hassan II, edificada sobre o Atlântico, espelho que lhe duplica a beleza assemelhando-a uma ave pousada à beira–mar. Considerada uma das maiores e mais belas mesquitas do universo muçulmano, o templo define-se a partir de um rendilhado decorativo raro de nítido traço árabe. Vale a pena descalçar os sapatos e deixar que o macio do chão de pedra acaricie os pés ao mesmo tempo que a cabeça se dirige para cima contemplando o teto que se abre automaticamente deixando ver as estrelas. Próximo, a Corniche, uma marginal ensolarada, oferece-se como um espaço de relativa quietude que abriga uma concorrida estrutura de bares, beach clubs e restaurantes com vistas privilegiadas para a praia, ponto privilegiado de observação do dia-a-dia e dos costumes dos seus habitantes. 

Rabat, a capital política e administrativa do país, merece um passeio demorado. Sob os auspícios da Torre de Hassan – o ex-líbris de Rabat –, entre no Mausoléu de Mohamed V e admire os pormenores de uma arquitetura etérea que sábias mãos de artesãos se dedicaram a criar. Se gosta de visitar museus, não perca o Museu de Arte Moderna e Contemporânea local onde se reúne uma coleção de nível internacional. Ao final da tarde, deixe-se abraçar pela luz dourada do crepúsculo saboreando um prato de cuscuz no topo do Kasbah des Oudaias. Erigido na foz do rio Bouregreb, oferece uma panorâmica alargada do Oceano Atlântico, sendo um lugar pitoresco de envolvência contagiante que integra um antigo bairro de piratas definido a partir de ruas labirínticas de uma inusitada vivacidade. 

Meknès é uma surpresa bem guardada para lá da porta Bab Mansour, a mais imponente de Marrocos senão mesmo do Norte de África. Famosa pelos seus 40 quilómetros de muralhas, Meknès encerra o celeiro e as cavalariças reais, conjunto arquitetural gigantesco edificado por Moulay Ismail desdobrado numa arcaria infinita cujo ambiente refrescante convida a percorrê-la devagar, ao ritmo do embalo do muezzin que se solta do minarete mais próximo. As paredes descascadas e envelhecidas pelo salitre escondem casas das mil e uma noites em cujos pátios ou terraços se romantizam histórias de encantar. 

A 30 quilómetros de Meknès, o impressionante sítio arqueológico romano de Volubilis, Património Mundial UNESCO, impõe paragem obrigatória. É impossível não ser invadido de imediato pela grandiosidade das ruínas, reflexo da enormidade que foi, outrora, esta cidade pois, no seu auge, Volubilis albergou mais de 20 mil pessoas. Atravessa-se a sua via principal, a Decumanus Maximus vislumbrando-se, ao longe, a Porta de Tânger, entrada a quem venha de norte. Ao fundo, o Arco Triunfal ainda em perfeitas condições sobressai num fundo de campos de cereais e do Alto Atlas.

Segue-se Fez, urbe que possui a maior medina do mundo, pelo que não é difícil perder-se no dédalo das ruelas apinhadas de transeuntes e de mercadorias. Deixe que os sentidos o encaminhem até aos curtumes de Chaouwara, aproveite os becos sem saída para se deliciar com a arquitetura, deixe-se envolver pela explosão de cores dos tecidos e pelas formas díspares do artesanato, respire os odores das especiarias e acaricie as texturas das velhas portas. A cada esquina, um artista; um velho escultor de facas, um ceramista a moldar a peça em bruto, um encadernador frente à escola corânica, um latoeiro impondo o ritmo no tum-tum-tum do seu martelo, as mãos gastas do curtidor a afagar as peles. Caótica e com alma própria, Fez inebria de tão real e tentadora, um verdadeiro império dos sentidos que se afloram ao som do Festival de Música Sagrada do Mundo.

Durante o percurso, aproveite para parar em Beni-Mellal, cujo clima único a torna num destino muito procurado, uma vez que se encontra protegida dos ventos quentes do deserto do Sara pela cordilheira do Atlas. 

Marraquexe, a pérola do sul, é a derradeira etapa. Aqui há muito para ver e sentir: desde os Jardins Menara, aos Túmulos Saadianos, passando pelo Palácio Bahia sob os auspícios da silhueta de Koutoubia, até ao Museu Dar Si Said. Contudo, é a animada praça Jemaa El Fna que concentra as atenções. A partir da açoteia de um café, aprecie o fervilhar do recinto parado num certo tempo-pedra: curiosos, turistas, vendedores e moradores acotovelam-se por entre acrobatas, encantadores de serpentes, dançarinos e contadores de histórias. Depois há que descer ao terreiro e mergulhar no caos que se suaviza à medida que nos deixamos levar e envolver. Descobrir o souk, um dos mais ricos de Marrocos, prolonga a miragem apaixonante e excessiva de quem se julga perdido. 

Para recuperar dos excessos, nada melhor que pernoitar num dos muitos riads, designação dada a casas ou palacetes que constituem a habitação tradicional dos almedinas de Marrocos. Aí, à luz das velas tremeluzentes nos candeeiros pousados sobre o chão dos pátios e terraços, mergulhe no momento e abandone-se à atmosfera envolvente, atentando na passagem do tempo, real marcador da viagem efetiva. Porque percorrer as cidades imperiais é uma jornada que merece ser disfrutada sem pressas, num desígnio que enfeitiça a alma e abraça o espírito. 

Do exterior, o chamamento para a oração e o gotejar de fontes entra pelas janelas abertas onde, as cortinas a ondular à brisa vinda do deserto, encerram salas forradas de divãs onde nos afundamos, por entre o murmúrio de conversas sussurradas, num cenário melífluo das mil e uma noites!

Destino de uma diversidade ímpar, Marrocos abre-se numa paleta de cores cujas tintas se misturam em degradés que inspiram, colecionando-se experiências que ficam para a vida. 

Terra de contrastes e idiossincrasias, Marrocos tem vindo a ser eleita por artistas e escritores que aqui procuram inspiração e fruição de uma vivência autoral pouco comum no mundo global. Porque só as cidades extraordinárias se eternizam em reminiscências que duram uma vida, valendo por si próprias mas apenas se dando a conhecer a quem estiver verdadeiramente disposto a descobrir-se nelas… 

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