0
Shares
Pinterest Google+

Myanmar

By the old Moulmein Pagoda, lookin’ lazy at the sea,
There’s a Burma girl a-settin’, and I know she thinks o’ me;
For the wind is in the palm-trees, and the temple-bells they say:
“Come you back, you British soldier; come you back to Mandalay!

O poema sobre a antiga capital do Myanmar é da autoria de Rudyard Kipling, notável autor britânico absolutamente rendido aos encantos de um país que não só é rico em exotismo, como também é duro, cândido e sangrento

Púrpura, vermelho escuro e amarelo-torrado. Três tons que não nos saem da memória ao deixarmos esta terra de vegetação absolutamente encantadora e majestosa e onde se recorda um passado imperial que ainda hoje se repercute no dia-a-dia da sua população. Com fronteiras com a China, o Laos, a Tailândia, o Bangladesh e a Índia, mergulha no Golfo de Bengala a Oeste, respirando do outro lado o Mar de Adamão. É ponto de referência da cultura budista teravada, que domina em todo o território.

Quem não se recorda do filme de 1995 que trouxe para o domínio público o contexto da Revolta do Poder Popular ou Revolta do Dia 8888 através da narração da experiência de vida de Laura Bowman, em 1988? “Beyond Rangoon” retrata a realidade social vivida após a adopção do Caminho Birmanês Para o Socialismo por Ne Win, que desta maneira colocou o país na pobreza extrema e o surgimento de Aung San Suu Kyi como ícone nacional. Na tela observava-se não apenas a revolta, os protestos e as manifestações iniciadas por 8.888 estudantes aos quais se juntaram donas de casa e médicos, mas também a maravilhosa geografia e a paisagem desta terra exótica do Oriente. As manifestações viriam a ser definitivamente eliminadas em Setembro do mesmo ano com um sangrento golpe militar no qual se deram milhares de mortes. Seguir-se-ia um governo autoritário e a mudança de nome de Birmânia para Myanmar.

Uma heroína que já não o é…

Mantida em prisão domiciliária entre 1989 e 2010, Aung San Suu Kyi é filha do chamado fundador da Birmânia moderna, o General Aung San, que teve um papel preponderante para o alcance da independência daquele país, em 1948. Até então dominava o império britânico, com a Birmânia a representar uma das suas colónias. Vencedora do Prémio Sakarov, em 90, e do Prémio Nobel da Paz, em 91, Aung San Suu Kyi nunca mais se afastou da esfera política, vencendo eleições de forma massiva e desempenhando actualmente as funções de Conselheira de Estado, que na prática se traduzem por real governante do país. Os diferendos religiosos e étnicos no Myanmar trouxeram, entretanto, uma sombra sobre esta mulher tão apreciada pelo povo mas também além-fronteiras, encarada como lutadora pelos direitos humanos, pela paz e pela liberdade, o que lhe garantiu reconhecimento internacional. Em 2017 o Exército do Myanmar lançaria uma operação em Rakhine, no Norte, onde estava localizada uma população de mais de mais de um milhão de muçulmanos rohingya, causando milhares de mortos e cerca de 700 mil refugiados. Suu Kyi negaria ter ocorrido qualquer atrocidade, levando a que muitos exigissem que renunciasse ao Nobel da Paz que lhe houvera sido atribuído no passado. Em Janeiro do corrente ano, o direito internacional exigiu que o país tomasse medidas de emergência no sentido de proteger o povo de etnia rohingya de genocídio e desde que chegou ao poder que Suu Kyi tem enfrentado críticas que a acusam de perseguir jornalistas e activistas recorrendo a leis da era colonial. De acordo com a BBC, para muitos analistas internacionais a transição no Myanmar para uma democracia parece ter sido continuamente adiada. A perseguição aos rohingya dura até ao dia de hoje, tendo-se iniciado há muito no passado. Com uma maioria budista e significativas minorias cristã e muçulmana, no pós-golpe de estado de 1962, o maior país do Sudeste da Ásia continental tem já um grande percurso no que diz respeito à perseguição de muçulmanos. Com gerações que já viviam naquele território há séculos, muitos rohingya viram-se abrigados a apresentar provas de naturalidade prévia à independência para manter a cidadania, o que na maioria dos casos não seria possível e terminaria mal, desmembrando famílias. De acordo com os dados da Organização das Nações Unidas, o povo rohingya representa um dos grupos mais perseguidos em todo o Mundo e desde 1948 que os governos sucessivos levaram a cabo 13 operações militares contra esta etnia. Durante este tipo de operações, as forças de segurança do Myanmar têm procedido à sua expulsão, incendiado as suas mesquitas e cometendo pilhagens e violações de modo indiscriminado. Os rohingya são, por outro lado, sujeitos a roubos e a extorsão por parte das autoridades, havendo também recurso a imposição de trabalhos forçados.

A Natureza em toda a sua magnificência

País com dimensões impressionantes, o Myanmar conta com planícies, cordilheiras, vales e desfiladeiros. O mais importante rio é o Irauádi, que atravessa o território de Norte a Sul e que desemboca no Golfo de Bengala. Nas planícies do Myanmar imperam os lagos. Com um clima tropical monçónico mas fragmentado ao nível do relevo, raramente chove ali mais do que cinco mil milímetros por ano. Nas montanhas domina a floresta tropical, onde também podemos encontrar ursos-malaios. As selvas escondem as aves, os rinocerontes, os búfalos, os elefantes, os tigres, os leopardos e os gatos selvagens. Nos deltas dos rios poderemos encontrar cobras e crocodilos e na costa as encantadoras tartarugas. Terra-depósito de pedras preciosas, o Myanmar integra depósitos de rubis, jades, e lápis-lazúli. Com cerca de 50% do território ocupado por florestas tropicais, dominam ali a teca, o pau-ferro e a palmeira, bem como o bambu.

Yangon, Mandalay, Bagan e Myeik

No Myanmar destacamos quatro pontos de visita obrigatória: Yangon, Mandalay, Bagan e o arquipélago de Myeik. Yangon, antiga Rangoon, é a maior cidade do Myanmar, tendo representado a sua capital até que o governo militar remeteu esta responsabilidade para a cidade de Neipiedó, criada especialmente para este efeito em 2006. Com presença portuguesa nos séculos XVI e XVII, este importante centro comercial e portuário integrou já nos séculos XIX e XX o império britânico, tendo em 1841 sofrido um enorme incêndio que devastou praticamente toda a cidade. Aqui, é incontornável a visita ao Shwedagon Pagoda, localizado a oeste do Lago Kandawgyi e reconhecido como o local mais importante para a prática da oração. Entre outros espaços, destacamos também os Jardins Kandawgyi, um local muitíssimo extenso e que oferece uma vista fabulosa do monumento anteriormente referido. Aconselhamos ainda a visita ao Parque Nacional de Hkawga, que integra a réplica (museu) de um edifício tradicional e um lago com 25 quilómetros, tendo sido criado como centro de educação ambiental em 1982.

Com um passado significativo, Mandalay rapidamente nos transporta ao século XIX, quando foi fundada, representando a última cidade real anterior à colonização britânica de 1885. A cidade é rica em marcos históricos, como o magnífico complexo palaciano que foi destruído aquando da Segunda Guerra Mundial. É ainda possível visitar o Palácio de Mandalay, o último a ser construído pela realeza birmanesa. Os mosteiros abundam nesta região, tal como acontece com os pagodes. É indispensável um passeio até à Colina de Mandalay, com uma altitude de cerca de 230 metros, que merece ser escalada ou ao nascer do sol ou ao final do dia, revelando-se um local absolutamente mágico. Na mesma região, Bagan é um dos lugares mais visitados graças à sua arquitectura e aos vestígios arqueológicos, dos mais ricos do sudeste asiático, onde se encontram cerca de dois mil monumentos antigos. Bagan é também famosa pela produção de açúcar e pelo processamento de óleo de palma. Para uma experiência de pura descontração e para apreciar as maravilhas naturais, nada melhor do que rumar ao Arquipélago de Myeik, que conta com mais de 800 ilhas pristinas de diferentes dimensões localizadas na região sul, no Mar de Adamão. Este autêntico paraíso intocado é famoso pelas praias de areias brancas e pela diversidade de vida marinha em águas ideais para a cultura de pérolas, fazendo de Myeik um destino absolutamente inesquecível. Terminamos como começámos, recorrendo a Rudyard Kipling e a 1890, que nos transporta à Birmânia da ocupação britânica, mas sobretudo ao encanto que este país cheio de exotismo e de beleza desperta em quem chega pela primeira vez:

Ship me somewhere east of Suez, where the best is like the worst,
Where there aren’t no Ten Commandments an’ a man can raise a thirst;
For the temple-bells are callin’, and it’s there that I would be
By the old Moulmein Pagoda, looking lazy at the sea.

Previous post

Capital do Turquemenistão é a cidade mais cara do mundo

Next post

Experiências novas em Sintra