Admite-se que representem os mais antigos habitantes da península. Com os vizinhos não partilham sequer a origem indo-europeia ou latina da língua. Foram bombardeados, proibiram-nos de falar o idioma e de praticar as suas tradições, mas resistiram até hoje para gáudio do mundo contemporâneo. Falamos dos bascos e da terra que, na sua língua, apelidam de Euskal Herria.
Na língua local chama-se Euskal Herria, a terra do euskara, situando-se na região montanhosa dos Pirenéus entre Espanha e França, englobando o extremo norte espanhol e o sudoeste francês, debruçando-se sobre o Golfo da Biscaia. O euskara é, eventualmente, a sua mais forte expressão, a de um povo que terá presença naquela região há mais tempo do que se consegue actualmente determinar com precisão. Falamos da língua basca e, naturalmente, do País Basco, uma terra de tradições, de gentes orgulhosas e perseverantes que na sua origem pouco têm em comum com os congéneres europeus. O País Basco constitui uma nação, mas ao contrário do que se poderia pensar dado o próprio nome não corresponde a um país, tratando-se de uma região autónoma dentro de Espanha juntamente com Navarra e Iparralde, em França, da qual se separou no século XV. Calculando-se pelo menos um período de quatro mil anos de história da presença dos bascos naquela região, este território terá sido invadido por romanos, visigodos, mouros e francos, mantendo sempre a língua e as características que os definem. A Comunidade Autónoma do País Basco vê reconhecida na constituição a sua nacionalidade histórica, mas nem sempre foi assim.
Na verdade, a região é encarada como a morada do povo basco, que integra uma cultura muito própria, tal como acontece com a língua e as tradições locais. Viajar no norte de Espanha por terras bascas é depararmo-nos com paisagens costeiras, com regiões montanhosas e quintas de uma tranquilidade ímpar. A unir o povo encontramos a língua euskara, que na década de 90 se encontrava seriamente ameaçada e que actualmente é falada por 28% dos bascos em todos os territórios habitados por este grupo étnico – ou seja, cerca de 750 mil pessoas. A língua nada tem em comum com o latim ou as línguas indo-europeias e não é claro onde terá nascido, como se terá desenvolvido ou porque é tão distinta, contando com pelo menos seis dialectos, mas sendo falada pela maioria basca numa versão estandardizada nos anos 60. As investigações mais recentes indicam que o povo basco poderá descender de agricultores da era neolítica que terão ficado isolados das outras populações europeias em virtude da sua localização geográfica – desde a costa litoral às montanhas rochosas dos Pirenéus ocidentais e que, embora sucessivamente invadidos ao longo da história, conseguiram manter a maioria das tradições, das práticas, dos símbolos e dos costumes. Na verdade, há traços que os distinguem de outros povos e um deles é, desde logo, o tipo de sangue, prevalecendo o Rh negativo, revelando uma harmonia genética distinta de um dos mais antigos grupos éticos da Europa que se mantive na mesma região ao longo de milhares de anos.
No desporto, os bascos elegem a pelota vasca, uma modalidade praticada com uma bola que é atirada à mão contra a parede, com uma raqueta ou um bastão de madeira, ou mesmo contra outro adversário. Na gastronomia, a criatividade basca é internacionalmente reconhecida pela sua excepcionalidade, seduzindo com os pratos oriundos da terra e do mar e celebrizando-se com os famosos pintxos, que se destacam das tapas espanholas surgindo como petiscos típicos bascos apresentados normalmente sobre um pedaço de pão. A aposta nos produtos da região e a fidelidade à tradição aliada à sofisticação dos tempos modernos garantem, na verdade, a presença de diversos restaurantes com estrelas Michelin nesta região. Do lado francês seria o chocolate a seduzir-nos, em Bayonne ou então o maravilhoso presunto.
Uma história antiga
No século IX, esta região encontrava-se sob o domínio do reino de Navarra, um estado medieval (governado por uma série de monarcas) cuja considerável fatia seria anexada em 1515 pela coroa de Castela, tornando-se parte do que viria a ser a Espanha moderna. Após um período de uma relativa independência, a auto-governação basca foi abolida pelo governo espanhol no início de 1839 e o movimento nacionalista basco foi crescendo ao longo do tempo, insistindo sempre na criação de uma nação basca independente que, durante a guerra civil espanhola, foi combatida por Franco de diversos modos, como a proibição da língua basca, a retirada de direitos ao povo e a destruição da cidade basca de Guernica, que mais tarde viria a inspirar uma das mais ilustrativas obras de Picasso. O regime franquista sufocou o povo basco, originando a formação do grupo separatista Euskadi Ta Askatasuna, a ETA, em 1959, que ao longo de décadas conduziu uma campanha terrorista, causando a morte de mais de 800 pessoas até se dissolver oficialmente em 2018, numa altura em que o governo espanhol já tinha reconhecido uma relativa autonomia económica e política e uma identidade única do País Basco. A Comunidade autónoma basca já existia, englobando três províncias – Álava, Biscaia e Guipúscoa.
Araba
Álava, ou Araba em basco, é a província onde está localizada a cidade Vitoria-Gasteiz, capital do País Basco e onde se situa o parlamento da comunidade autónoma. Vitoria trata-se de uma cidade dinâmica, de pontos fortes assentes na saúde, na aeronáutica, na indústria automóvel e na viticultura, tendo já variadas vezes sido nomeada uma das melhores cinco cidades para se viver em Espanha, dado o elevado nível de qualidade de vida e de oportunidades de negócio. É, ainda, o primeiro município espanhol a obter o prémio de Cidade Verde Europeia, preservando a zona antiga da cidade de um modo impressionante e onde a visita às duas catedrais, à Plaza de la Virgen Blanca (a padroeiira da cidade), ao bairro medieval – onde podemos apreciar a muralha medieval e os templos góticos – e aos parques verdes que circundam a cidade é obrigatória. Saborear a gastronomia local absolutamente deliciosa sem dispensar os vinhos Rioja Alavesa e o maravilhoso txakoli de Álava, um vinho branco levemente espumante, muito seco, com alta acidez e baixo teor alcoólico constituirá o ponto alto do percurso de muitos curiosos. O festival de rock Azkena, o FesTVal, o festival de jazz e a festividade em honra da Virgem Branca, que se realiza desde 1884 e na qual o Celedón, um boneco, desliza preso por um cabo até à praça principal a simbolizar a chegada de um agricultor à cidade para esta celebração, representam outro ponto de referência local. É ainda nesta mesma praça que podemos apreciar uma estátua que recorda um dos mais importantes momentos da Guerra Peninsular e que constituiu um dos momentos que antecedeu a expulsão de França do território espanhol. Na verdade, a Batalha de Vitória reuniu os exércitos espanhol, português e britânico que, ao comando do famoso Duque de Wellington, derrotou as forças francesas quase capturando o rei fantoche, Joseph Bonaparte, num dos mais importantes episódios das Guerras Napoleónicas e que Beethoven viria a homenagear na Opus 91, muitas vezes apelidada como “A Batalha de Vitoria”.
Biscaia
A província da Biscaia, que dá nome à baía e ao próprio golfo, é conhecida como uma das mais reputadas e prósperas províncias de Espanha que desde a era medieval se afirma como um importante centro de comércio no Oceano Atlântico e um dos principais centros industriais e financeiros da Península Ibérica. Após a década de 1970 o comércio foi abandonando esta área para ali se concentrar o sector de serviços. Bilbao, a capital e principal cidade, viria a adquirir uma reputação internacional de grande dimensão com a inauguração do Museu Gugenheim, em 1997, e cuja arquitectura foi projectada por Franck Guery. O turismo nacional e internacional ruma desde então até esta cidade, gerando uma considerável entrada de riqueza no país. A aposta nas artes e na arquitectura mereceu-lhe em 2014 a atribuição do título Cidade do Design pela UNESCO, detendo de facto uma oferta cultural absolutamente inigualável. A visita à parte antiga de Bilbao, fundada há mais de 700 anos, representa um passeio até uma encantadora era plena de charme onde restaurantes, bares e lojas garantem a vibrante animação própria do bairro. A visita ao bairro de Siete Calles (o centro onde desembocam sete ruas) é absolutamente imprescindível. As pontes que atravessam a cidade merecem também uma visita, destacando-se, ainda do século XIV, a Ponte de San Antón, a Ponte Zubizuri, que impressiona pelo design de Santiago Calatrava, a Puente de la Salve, e a Puente Vizcaya, património mundial da UNESCO. A Hutxa de los Txikiteros é outro aspecto único de Bilbao, representando um “mealheiro” local. Os txikiteros são grupos de pessoas que frequentam os bares da cidade antiga para beber os txikitos, pequenos copos de vinho, e que, antes de regressar a casa, passam pela Calle de la Palota, procurando um “mealheiro” assinalado com um X no chão e para onde atiram as moedas que lhes sobraram na carteira. Todo os dias 11 de Outubro, o dinheiro é recolhido e doado para caridade. O Mercado de la Ribera trata-se de outro ponto obrigatório, representando desde logo o maior mercado coberto do mundo e onde encontramos o melhor da cozinha basca, que é mundialmente apreciada, enquanto desfrutamos da vista sobre o rio. A Basílica de Nuestra Señora de Begoña, a Plaza Nueva, o Teatro Arriaga e a Gran Via, uma das mais belas avenidas de toda a Espanha, são, juntamente com muitos outros pontos da cidade, verdadeiras referências que enriquecerão qualquer visita à principal cidade basca.
Guipúscoa
A cerca de uma hora de distância de automóvel, San Sebastián, ou Donostia em basco, é a capital da província de Guipúscoa, fazendo fronteira com as províncias de Biscaia e Álava, com a Comunidade Foral de Navarra, com França e a Baía da Biscaia, constituindo a menor província continental espanhola. A capital é habitada por 25 por cento da população regional. San Sebastian acolhe a praia urbana mais famosa de toda a Espanha, a Praia de la Concha, que desde 2017 constitui um dos doze tesouros de Espanha, mas Donostia é bastante mais conhecida dado o Festival Internacional de Cinema, que se realiza todos os anos, em Setembro, assumindo-se como um dos mais famosos e prestigiados de todo o mundo. Foi realizado pela primeira vez em 1953 mas a gastronomia local não lhe fica atrás, destacando-se especialmente graças ao txangurro a la donostiarra (um prato saboroso e sofisticado originário de San Sebastián à base de sapateira ou de caranguejo e que se serve em ocasiões especiais, como o Natal). A gastronomia constitui, aliás, um ponto de referência destas margens que maior número de estrelas Michelin por metro quadrado reúnem, comparativamente com o resto do mundo: 18 num raio de 25 quilómetros… No extremo da baía de la Concha, no final da Praia de Ondarreta, o Peine del Viento constitui um conjunto de esculturas da autoria de Eduardo Chillida numa obra do arquitecto Luis Peña Ganchequi composta por três esculturas de aço de 10 toneladas cada, incrustadas nas rochas com vista para o mar Cantábrico, sendo banhadas pelas ondas. A visita a San Sebastián não ficará completa sem uma subida ao Monte Igueldo, no funicular que já conta mais de cem anos de história e que proporciona o acesso à melhor panorâmica da cidade.
Um povo determinado, resiliente e, sobretudo, antigo
Na terra que viu nascer Inácio de Loyola e de onde se acredita terem partido exploradores que viajaram pelo mar à pesca à baleia ainda antes de Colombo se lançar nas águas atlânticas, o lamburu mantém-se até hoje como símbolo tradicional, que nos chega desde tempos deveras antigos, surgindo associado à era neolítica, ao sol, à ideia de prosperidade e de boa sorte, afixado nas paredes de casas, em igrejas e em túmulos. Com uma mitologia própria e um panteão de deuses e de criaturas míticas muito singular, os bascos encontram em Mari a deusa associada à natureza e em Basajaun o guardião dos rebanhos e das manadas, símbolo de vida selvagem representado por um humanoide muito peludo. Os bascos não só souberam preservar as suas tradições mais ancestrais como esta, como também os símbolos da sua unicidade tão visível, por exemplo, nas roupas e acessórios que caracterizam a sua identidade basca e de que é tão ilustrativa a txapela (ou a conhecida boina) que nunca abandonam. Animados, resilientes, folgazões e com um sentido de honra muito particular, são amigos que gostamos de ter por perto e que, aconteça o que acontecer, mostraram já saber resistir aos desafios do tempo e do homem para, no fim, acabarem sempre por prevalecer.