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LA ROCHELLE

Sublime experiência namibiana

O entardecer cai sobre a savana com o seu manto cróceo. A viatura serpenteia a estrada irregular, estacando junto a um portão recém-colocado ao lado do qual algumas bandeiras ondulam à brisa da tarde.

As boas-vindas acontecem frente ao edifício central, com o staff em linha pronto a brindar-nos com um aperitivo refrescante sob os auspícios das inúmeras árvores centenárias que imperam sobre o terreiro central. Mas não há tempo a perder. A noite cai depressa em África e há que aproveitar o lusco-fusco para um game drive – uma viagem de reconhecimento pelos trilhos da propriedade que funciona como introdução à vida selvagem da reserva.

Texto Maria João Castro  |  Fotos La Rochelle Lodge

Quando chegamos frente ao átrio de La Rochelle são horas de jantar. O crepúsculo tinge de tom flavo o horizonte ao mesmo tempo que a tempestade distante adensa o horizonte. Para nossa surpresa o jantar não será no lodge mas ao ar livre, sob os augúrios da savana. A viagem de jeep demora o tempo de um piscar de olhos. Frente a um lago de águas termais, a noite africana desce imperturbável. Ao longe ouve-se o rugir da tempestade que depressa escurece o cenário fazendo destacar o fogo que cozinha o jantar. Adiante, sob uma acácia, alguém colocara uma mesa e cadeiras de verga iluminadas por candelabros em cujas velas dançam chamas iridescentes. Os flutes de champanhe, a toalha de linho, a travessa de entradas aprimoradas, completam o palco onde um inolvidável jantar africano tem lugar. Contam-se histórias, ouve-se a tempestade a aproximar–se, veem-se os relâmpagos a iluminar, ao fundo, o espelho de água. O gestor deste projeto único – JP – conta com a ajuda e o apoio da Ru, sendo ambos os melhores anfitriões que se pode desejar: de uma simpatia a toda a prova deixam-nos maravilhados com a sensibilidade e a disponibilidade com que recebem os hóspedes: ao bom gosto decorativo da Ru junta-se um JP excelso contador de histórias, ambos de uma afabilidade cativante que fazem alongar as gargalhadas e a cumplicidade pelas horas noturnas. Por fim, os espíritos aquietam-se e o dilúvio rebenta sem avisos, como é próprio em África. Após a fúria dos deuses se apaziguar, é restituída a quietude própria da savana, apenas deixando ouvir, de quando em quando, o gotejar das folhas, resquício de lágrimas demiurgas.

No regresso ao quarto, o capim, habitado por duendes de espírito irrequieto, liberta o aroma inconfundível de terra molhada. Uma ave noturna emite um pio cadenciado que se eleva para lá da copa das árvores ao mesmo tempo que as sombras se agigantam quando a lua reaparece, tímida, por entre os farrapos de nuvens.

Riscos de luz iluminam o quarto entrando por entre os interstícios da janela. A pele de zebra jaz no chão aos pés da cama, silente no seu preto e branco. A mobília, de madeira pesada, acompanha o mergulho profundo no mundo dos sonhos, embalando a alma sob a dança da penumbra das figueiras centenárias que, mudas, velam pelo bom sono dos hóspedes.

A chuva, que caíra durante a noite, lustrara os ramos de um brilho etéreo. Acorda-se com um coro de pássaros em crescendo de escala que entoam cânticos matinais, sentindo o ardor da fé renovado, enquanto um órix, assustado, passa a toda a velocidade por entre a piscina e as vetustas árvores.

O novo amanhecer espreguiça-se no remanso dos sonhos e da ilusão de um dia perfeito. Há que escolher entre passar o dia num dolce fare niente ou uma ida ao Etosha. De avioneta ou de automóvel, chega-se tranquilamente ao parque natural de excelência do país: Etosha, um espaço protegido de caçadores furtivos e outros perigos para a conservação da vida selvagem, onde se observam veados, zebras, chitas, elefantes, rinocerontes, leões, gnus, búfalos, girafas, leopardos, todos confluindo numa terra à primeira vista estéril e desolada, fazendo-nos mergulhar dentro de um programa ao vivo do National Geographic.

O passar das horas faz chegar o ar da noite, bálsamo divino que explora sensações ignotas, cingindo o corpo cansado mas logo os olhos acariciam o que veem: um repasto digno dos deuses espera-nos na ampla sala de jantar de La Rochelle.

Os dias fluem perfeitos. Entre a quietude das várias piscinas, a vista desafogada do ginásio, os aromáticos passeios de jeep, a gastronomia cuidada do chef do lodge, uma visita à cidade de Tsumeb, um passeio a cavalo, a observação de aves ou uma viagem de balão, há todo um leque de experiências à disposição do visitante. Há igualmente o garante de que parte da variedade da fauna africana passa por entre as sebes de La Rochelle: antílopes de vários tipos (springbok, waterbuck, kudu), impalas, zebras, orixes e girafas, podem ser observados dentro da área protegida do lodge. Há ainda uma private guest house e uma luxury villa para quem quiser ter uma estadia em exclusivo, ambas respirando requinte e bem-estar.

É que La Rochelle não é apenas um espaço: é um tempo. Escutar o silêncio e contemplar as árvores com mais de 400 anos, redimensionando o momento que dura uma vida e aproveitá-lo, dando prioridade ao que é realmente importante, é uma oferenda que só poucos lugares no globo são capazes de oferecer.

Chega a última noite de estada. Ao olhar as estrelas, deitada sobre o tapete de pele de zebra frente ao terraço, não há como não me sentir afortunada. A cúpula celeste adensa-se de nuvens negras e um relâmpago aclara momentaneamente o horizonte. A vida é isto: superlativa absoluta simples! Entregue ao gozo da semi-escuridão, apreendo o movimento das sombras, soçobrando pensamentos levianos neste recanto bem-aventurado do mundo.

Quando o dia amanhece ensolarado, é hora de devolver a chave. A porta do quarto abre-se para deixar passar a bagagem mas o pulso que a devia fechar recusa-se a fazê-lo: talvez porque permanecendo entreaberta inspire e garanta o desejo de um novo regresso. Mas o lugar será outro, porque o hóspede não será o mesmo ainda que habite o mesmo corpo… Sobra uma bonita noz de marfim-vegetal trabalhada à guisa de porta-chaves cuja inscrição faz despertar reminiscências de um lugar verdadeiramente raro… La Rochelle!

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