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De costa a costa pelo deserto australiano a bordo do famoso The Ghan

Fotos: Journey Beyond Rail Expeditions, Tourism Australia e D.R.

Conhecida como um dos mais exuberantes caminhos-de-ferro do mundo, a linha do The Ghan proporciona muito mais do que uma simples viagem de comboio. Acedendo a regiões australianas absolutamente espantosas, garante o equilíbrio perfeito entre conforto e aventura culminando numa experiência verdadeiramente única

Inaugurado em 1929, o The Ghan oferece actualmente muito mais do que uma ligação ferroviária entre Darwin e Adelaide ou vice-versa. A bordo esperam-nos refeições elaboradas, elegantes cabinas privadas, serviço personalizado e a boa disposição entre todos os passageiros. Quando o comboio pára, a verdade é que o que começa é a mais pura aventura, dependendo das escolhas que façamos entre as Off Train Experiences que nos deixam memórias muito gratificantes desta viagem ao coração do continente australiano. O The Ghan é mais do que um comboio lendário que sem dúvida desperta o espírito aventureiro e também uma profunda ligação à terra.

Um comboio de luxo com mais de 90 anos

A história do The Ghan faz-nos recuar cerca de 150 anos até ao tempo em que o explorador John McDouall Stuart estabeleceu uma rota que viria a ser seguida pelos cameleiros que estabeleceram um trilho permanente que cruzava o interior australiano. Estes cameleiros viriam a estar na origem do nome do comboio, originalmente chamado “Expresso Afegão”. Os primeiros cameleiros chegariam ao sul da Austrália por volta de 1839, com Harry, o único camelo sobrevivente de um grupo de seis a completar uma viagem iniciada em Tenerife com vista a Port Adelaide. Não seriam importados mais camelos até meados da década de sessenta, altura em que começam a chegar aos milhares à medida que a Austrália ia sendo aberta por exploradores. Os cameleiros desempenhariam um importante papel na economia nos inícios de 1900 ao transportar bens, correio, água, ferramentas e equipamentos a cidades remotas e ajudando assim ao desenvolvimento de grandes projectos de infraestruturas como o Overland Telegraph e a construção de caminhos-de-ferro. A 4 de Agosto de 1929 foi uma entusiasmada multidão aquela que se juntou na Estação de Comboios de Adelaide para se despedir do The Ghan pela primeira vez. Com mais de cem passageiros a bordo e de bens destinados à cidade de Stuart, que mais tarde viria a ser rebaptizada como Alice Springs, o comboio partiria numa viagem histórica que se completaria em apenas dois dias. Funcionava a vapor e ao longo do tempo viu-se obrigado a enfrentar condições extremas como inundações repentinas e calor intenso, o que tornou o serviço um tanto irregular. Conta-se que em tempos o velho Ghan ficou uma vez preso algures durante duas semanas e que o maquinista se viu obrigado a caçar cabras selvagens para alimentar os passageiros. A chegada da Segunda Guerra Mundial representaria o período mais movimentado da linha, que na altura foi usada para transportar tropas. Calcula-se que só no ano de 1944 tenham passado por ali mais de 247 comboios por semana. Nos anos 70, já mais tarde, a linha férrea do The Ghan serviria para ajudar ao crescimento da indústria mineira, de transportes agrícolas no interior, em Adelaide e em Darwin e na década de 80 o The Ghan tornaria real a ligação entre Adelaide e Darwin ao completar-se a construção do troço entre Alice Springs e Darwin. As viagens transcontinentais iniciar-se-iam em Fevereiro de 2004. Actualmente a viagem de norte a sul do país cobre cerca de três mil quilómetros, passando por paisagens espectacularmente diversas, que vão desde os tons pastorais da planície do sul australiano até aos vermelhos ocres ferrugem das Cordilheiras MacDonnell e aos verdes tropicais de Katherine e de Darwin. Partindo de Darwin, esta viagem de costa a costa através do ardente interior continental proporciona o deslumbre perante o dramático cenário australiano até à cidade de Adelaide.

Dia 1: Darwin e Katherine

Partida de Darwin com oportunidade para apreciar a vista do Top End, o segundo ponto mais setentrional do continente australiano, que compreende uma área de cerca de 400 mil quilómetros quadrados cercada pelo mar em três frentes e por território semiárido ao sul. Uma das terras pertencentes ao povo aborígene, o Top End caracteriza-se pelas suas águas tropicais e por uma forte pluralidade cultural. Chegados a Katherine, aproveitamos para realizar um passeio por esta cidade situada na margem do rio homónimo onde o clima é tropical. Aqui, o destaque vai para as fontes termais que se localizam na margem do rio. As nascentes apresentam uma temperatura entre os 25 e os 30º Célsius, um verdadeiro paraíso para mergulhar… Katherine é igualmente famosa pela beleza dos voos cénicos que proporciona, pela pesca que ali se realiza e por outras actividades como a canoagem, os cruzeiros ao por-do-sol e ainda graças à cultura e à arte locais. Outro ponto de interesse é o Desfiladeiro de Nitmiluk, que compreende a maior atracção do Parque Nacional homónimo. A paisagem circundante deste lugar, a par com os desfiladeiros, assume um impressionante significado cerimonial para o povo jawoyn local, seus guardiães. Na sua língua, Nitmiluk traduz “lugar da cigarra que sonha”. Ali, 13 desfiladeiros descem e correm em direcção ao rio. Nadar durante a estação das chuvas é proibido, já que com esta chegam também os crocodilos de água salgada, que com a estação seca regressam ao rio.

Dia 2: Alice Springs

A seguinte paragem do The Ghan decorre em Alice Springs, onde exploraremos o Simpsons Gap, um impressionante desfiladeiro baptizado como Rungutjirpa pelo povo aborígene, e que a mitologia local descreve como morada de um grupo de gigantes antepassados de lagartos. Esta região tem uma forte representatividade espiritual, sendo atravessada por vários trilhos e histórias pertencentes ao imaginário sagrado aborígene. Haverá também possibilidade de visitar as atracções da cidade, onde todos os anos se realiza uma corrida de camelos. Alice Springs é conhecida como a capital da arte aborígene da Austrália Central, estando muito presentes ali tanto a tradição  como a cultura aborígene. Alice Springs está localizada no chamado Red Centre, a região sul do deserto do território norte da Austrália que além desta cidade compreende o Parque Nacional de Uluru-Kata Tjuta, Património Mundial, e a região de Kings Canyon. Uluru é também conhecido como Ayers Rock, um enorme monólito de arenito, que dista 450 quilómetros de Alice Springs e cuja formação se iniciou há cerca de 550 milhões de anos. Esta formação representa uma das imagens de marca australianas que desde o final dos anos 30 tem vindo a atrair a visita de inúmeros turistas e que constitui um dos mais importantes locais de referência para os indígenas.

De regresso ao The Ghan, o jantar é servido a bordo, sendo depois organizada uma experiência nocturna no interior australiano de onde podemos apreciar a noite estrelada, observando-se a Via Láctea como não acontece em qualquer outro ponto do mundo. A experiência é absolutamente deslumbrante e fica na memória para todo o sempre.

Dia 3: Adelaide

Durante a manhã assistimos pela janela ao desaparecimento dos intensos tons ocres do interior australiano que darão lugar aos campos verdejantes do sul do país. Ao longo do soberbo pequeno-almoço, passamos por Flinders Ranges, uma cordilheira situada a norte de Adelaide. Conhecida como uma das mais dramáticas e belas paisagens australianas, trata-se de uma região rica em história aborígene e morada de uma grande variedade de vida animal. É aqui que podemos encontrar cangurus-vermelhos, os maiores e mais conhecidos da espécie, cangurus cinzentos e wallabies, papagaios, répteis, dragões barbudos, emas e águias-audazes, as maiores aves de rapina da Austrália. O meio da manhã marca a chegada a Adelaide e o final do percurso a bordo e de uma das mais impressionantes viagens de comboio do mundo. Cosmopolita cidade costeira da Austrália Meridional, Adelaide nasceu como colónia britânica, tendo, no entanto, atraído a chegada de muitos imigrantes provenientes de outras regiões da Europa, muito devido à tolerância religiosa que desde o seu início ali se verificou. Destaca-se a sua proximidade com o Barossa Valley, famosa região produtora de vinho, a apenas 60 quilómetros, e com a Ilha Kangaroo, onde mais de um terço do território foi classificado como reserva natural e onde é fácil avistar leões-marinhos, coalas e ainda uma enorme variedade de espécies de aves. Num percurso de cerca de três mil quilómetros e de uma riqueza paisagística deveras impressionante, o The Ghan representa, sem dúvida, um dos comboios de luxo que oferece uma experiência absolutamente inesquecível no paraíso que é o coração australiano.

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