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A frase é de Chatwin mas muitos escreveram sobre o território que, junto à Terra do Fogo, conduz ao “Fim do Mundo”. Há quem diga que o elefante a ser engolido pela jiboia ou mero chapéu de Exupéry (conforme cada um) em O Principezinho tenha sido inspirado na imagem aérea deste território e é certo que Júlio Verne bebeu ali a inspiração para uma das suas obras. Encantou Fernão de Magalhães, seduziu Theroux e afirma-se que de lá ninguém regressa igual

Naquele dia de 1974 seguiu o impulso de largar tudo e de partir. No bilhete deixado à sua chefia na Sunday Times Magazine, escreveu apenas “Fui para a Patagónia”. Corajoso, irresponsável, livre ou simplesmente indomável na visão de muitos, Bruce Chatwin partiu à descoberta de uma terra que vai até ao fim do mundo não na perspectiva com que Wim Wenders baptiza o filme homónimo de 1991 mas no sentido literalmente geográfico. Como Fernão de Magalhães, que em 1520 navegou o “estreito que mostrou o agravado Lusitano”, assim referido por Camões em Os Lusíadas; como Darwin, que na primeira metade do século XIX ali se dirigiu a bordo do HMS Beagle; ou até Exupéry, Chatwin deslumbrou-se com a imensidão deste território de horizontes longínquos, de silêncio e de vento. Da sua presença na Patagónia, onde se demorou durante seis meses, resultaria a obra Na Patagónia, que o celebrizou como autor de livros de viagens.

Dividida entre o Chile e a Argentina, a Patagónia localiza-se no extremo sul do continente americano, estendendo-se até ao último território terrestre antes da Antártida, sendo por isso muitas vezes apelidada como o Fim do Mundo. A Travel & Safaris revela o melhor de cada uma das suas províncias.

Rio Negro

Na província mais nortenha da Patagónia argentina destaca-se a cidade de Bariloche, junto à Cordilheira dos Andes e cercada pelos lagos Nahuel Huapi, Gutiérrez e Mascardi, pelo Cerro Tronador, o Cerro Catedral e o Cerro López.  Bariloche deve o seu clima temperado à proximidade dos Andes e à sua localização numa micro-zona climática, cuja floresta sobrevive em virtude das águas provenientes dos lagos glaciais, com temperaturas negativas durante o Inverno, que se manifesta entre Junho e Agosto. Famosa pelas estâncias de esqui, Bariloche vive sobretudo do turismo, que atrai não apenas os entusiastas de desportos de neve, mas também os apreciadores de rafting, cavalgada, parapente e ciclismo de montanha. A visita à Catedral de San Carlos de Bariloche será obrigatória não só pela beleza de inspiração neogótica em pedra branca, mas também pela localização e vista que proporciona. A exploração do Parque Nacional de Nahuel Huapi, o mais antigo parque nacional argentino, é também garantia de memórias inesquecivelmente deslumbrantes.

Neuquén

Junto a Rio Negro, a província de Neuquén é sobretudo reconhecida pelas paisagens, lagos e extensões de grande beleza, fazendo fronteira com o Chile. Para desfrutar ao máximo deste ponto geográfico argentino, nada melhor do que fazer o passeio da costa de Neuquén, visitar o Lago Huechulafquen e o Lago Hermoso. Nesta província é também a prática de desportos de Inverno que mais atrai o turismo rumo às montanhas nevadas. O vulcão Copahue será, sem dúvida, um lugar a visitar, tal como o Rio Limay.

Chubut

Com uma base económica assente em combustíveis fósseis e na produção de lã, esta província da Patagónia argentina encontra também no turismo forte fonte de receita graças à paisagem própria da Cordilheira dos Andes. Nesta região o território divide-se em três áreas distintas: a montanhosa, a do planalto central e a da costa atlântica, cada uma delas com os respectivos pontos de interesse. Junto à costa atlântica, é possível desfrutar das praias em Puerto Madryn e visitar a Península de Valdés, famosa pela vida selvagem ali presente, proporcionando-se a observação de baleias, leões-marinhos, pinguins de Magalhães e elefantes marinhos. Na Playa Unión será a vez de avistar golfinhos. No vale do Rio Chubut, vale a pena a visita a Gaiman, uma pequena localidade que representa o centro cultural e demográfico da principal região de imigração galesa na Argentina e que na língua original se chamará Y Wladfa Gymreig, fará parte da tradição saborear um chá, prática enraizada desde a chegada dos primeiros colonos. Esta aldeia parece parada no tempo e constitui uma visão completamente distinta do resto da província em que se encontra inserida e onde predominam as paisagens inóspitas e áridas. Mais a sul, Punta Tombo e Cabo Dos Bahías são duas regiões protegidas, onde abundam, respectivamente, os pinguins e os encantadores guanacos. Na região central da província de Chubut o clima é mais agreste, com as populações rurais agrupadas em pequenos núcleos ou em fazendas dedicadas quase exclusivamente à criação de ovelhas. Neste ponto, atravessa-se, então o deserto da Patagónia, com paisagem de estepes, solidão e muito vento. Ainda na região central, em direcção a Oeste, é obrigatória a vista ao Bosque Petrificado de Sarmiento, que exibe uma paisagem árida com formações sedimentares com cerca de 65 milhões de anos. Na região montanhosa impera outro tipo de beleza, com as montanhas, os lagos, rios e florestas numa combinação absolutamente esmagadora.

Santa Cruz

A menos povoada de toda a Argentina continental, a província de Santa Cruz é também a segunda maior do país e a herança do povo tehuelche, ou patagões, com um passado de mais de nove mil anos e na narrativa do cronista de expedição de Fernão de Magalhães descritos como gigantes. Na verdade, e de acordo com os parâmetros actuais, não eram assim tão altos, medindo em média 1,83 metros, mas comparativamente com um europeu de então (século XVIII) que costumava alcançar apenas 1,68 metros de altura afiguravam-se, de facto, gigantescos…No sudoeste da província, destaca-se o famoso Parque Nacional Los Glaciares, onde encontramos os maiores glaciares do mundo depois dos que estão localizados na Antártida. Património Mundial da Humanidade, integra o impressionante Lago Argentino, onde desaguam os Glaciares de Perito Moreno (já apelidado como a oitava maravilha do mundo) e o Glaciar Upsala (o terceiro mais longo da América do Sul). O parque alberga espécies selvagens como as rheas, o guanaco, o puma e a raposa sul-americana, que se encontra ameaçada em virtude da aposta na indústria do gado. O condor, a águia, o pato das torrentes e o cervo sul-andino são também espécies que povoam esta região argentina. A cidade de onde partem as visitas a estas autênticas maravilhas da Natureza, Calafate, organiza também as excursões aos Cerros Chaltén e Torre, representando também a morada do Glaciarium, um centro interpretativo criado para fins educativos acerca dos glaciares e do campo de gelo da Patagónia Austral (a terceira maior extensão de gelo continental do mundo). A sul de Santa Cruz, em Cabo Virgenes, na entrada oriental do Estreito de Magalhães, inicia-se a Ruta 40, verdadeiro símbolo argentino que atravessa 11 províncias, percorrendo o país de sul a norte até à fronteira com a Bolívia e correndo paralelamente à Cordilheira dos Andes num total de 5224 quilómetros. A leste, ainda na mesma província, a Estrada Nacional 3 segue ao longo da costa atlântica desde Buenos Aires. Por via terrestre, é através desta via que chegamos à lendária Terra do Fogo.

Terra do Fogo

Localizada no extremo sul argentino, a Terra do Fogo apresenta um clima frio e húmido, com ventos moderados a fortes, situando-se ali o ponto mais meridional da América do Sul, o Cabo Horn. Extensa região com muitas ilhas e canais, encontra no território argentino (lado leste) a capital Ushuaia, morada do chamado Farol do Fim do Mundo (Farol les Eclaireurs), que se crê ter inspirado o romance de Júlio Verne. O arquipélago terá adquirido este nome em virtude das imagens causadas pelos fogos e pelas colunas de fumo que as fogueiras ateadas pelos nativos causaram aos navegadores aquando da sua chegada àquelas margens liderados por Fernão de Magalhães, parecendo que fogos e fumo boiavam sobre as águas no nevoeiro do amanhecer. Ushuaia é internacionalmente conhecida como importante polo turístico argentino, sendo inúmeras as referências que a apelidam como a cidade mais austral do planeta. Seguindo as coordenadas 54º 48’30’’S de latitude, mesmo junto ao canal Beagle, Ushuaia abre-se como o último território antes da Antártida. A bordo do Comboio do Fim do Mundo realizam-se os passeios até ao Parque Nacional da Terra do Fogo, localizado no extremo suduoeste, a 12 quilómetros da capital argentina desta província. Para o efeito será necessário, então, realizar a partida da Estação do Fim do Mundo e percorrer a linha que no passado ligava a prisão de Ushuaia aos campos de trabalho. As deslocações de comboio são, curiosamente, eternizadas tanto por autores como Paul Theroux, que para sempre celebrizou a literatura de viagens com O Velho Expresso da Patagónia, ou o escritor chileno Luis Sepúlveda, falecido em 2020 em virtude da pandemia de Covid-19, em Patagónia Express.

Local enigmático e de um poder avassalador sobre quem o visita, a Patagónia marca para sempre quem opta por ali se deslocar, tendo inspirado valores incontornavelmente talentosos, sobretudo na área da literatura, talvez aqueles que melhor capacitados estejam para o sonho, para a exploração de novos e distintos territórios e mais versados também para a partilha com o homem comum dos mistérios que a Terra encerra, mesmo “no fim do mundo”.

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