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AMI VITALE

Internacionalmente premiada e fotógrafa de referência, Ami Vitale viajou para cerca de 100 países nos últimos 20 anos, mas desengane-se quem julgar que Ami é uma fotógrafa de viagens. Por detrás de todas as paisagens e destinos fascinantes e exóticos que as suas imagens ilustram há sempre uma história com questões que Vitale apresenta ao Mundo e que pedem a nossa reflexão. Com um trabalho reconhecido para além fronteiras, esta americana estabelecida em Montana foi já comparada a mulheres extremamente talentosas e batalhadoras, como Jane Goodall, que arregaçam as mangas, que nos despertam e que nos fazem pensar

Texto Carla Santos Vieira  Fotos Ami Vitale

Com percurso académico em Relações Internacionais, como é que a fotografia e o jornalismo entram na sua vida?

Na juventude sempre fui dolorosamente tímida, desajeitada e introvertida. Quando peguei na câmara pela primeira vez senti que tinha uma razão para interagir com as pessoas e desviar a atenção sobre mim mesma. Comecei a sentir–me mais segura, a fotografia tornou-se um passaporte para aprender e para conhecer novas culturas. Agora é muito mais do que isso. É uma ferramenta através da qual consigo chamar a atenção e ajudar a compreender culturas, comunidades e países, é uma ferramenta que me ajuda a dar sentido àquilo que temos em comum neste mundo que todos partilhamos.

Em que aspecto é que a fotografia documental a cativou?

Não encaro o facto de viajar e de desenvolver trabalho documental apenas como uma aventura. Embora tenha a oportunidade de testemunhar coisas extraordinárias, não se trata apenas de partir para sítios exóticos. Na verdade a magia só começa quando ficamos num lugar e temos tempo suficiente para nos integrarmos, para compreendermos e para estabelecermos uma ligação. Todos temos a capacidade de sermos criativos e de moldarmos o mundo em que desejamos viver. A fotografia tem sido a minha plataforma para primeiro encontrar a a minha própria voz e depois para inspirar os outros a usarem as suas. A fotografia e a narração de histórias permite-nos maravilharmo-nos e quando nos maravilhamos apaixonamo-nos pelo mundo de um novo modo.

Ainda se recorda de como se sentiu quando fez a primeira viagem de todas?

Senti-me libertada. Acho que muitas vezes vamos a um sítio e aterramos com a história já toda planeada nas nossas mentes. Aprendi que é necessário tempo para compreendermos e para contar outras histórias e uma vez que nos damos esse tempo acabamos por transformar-nos. Portanto, para mim viajar é na verdade desacelerar, aprofundar e conhecer as pessoas e os lugares que visito.

Considera-se uma contadora de histórias?

Sem dúvida. Depois de cobrir conflitos ao longo de quase uma década, à medida que fotografava pessoas e culturas, e até enquanto fotografava vida selvagem e Natureza, percebi que podia conferir a mesma sensibilidade às imagens que faço e mostrar que tudo está ligado. Mesmo quando os temas incidiam sobre segurança, todas as pessoas envolvidas acabavam por depender largamente da Natureza. Estas histórias não eram apenas sobre vida selvagem. Na verdade eram acerca de todos nós, acerca da nossa CASA, acerca do nosso futuro. Eram acerca do quão profundamente estamos realmente ligados uns aos outros.

E como é que a fotografia de vida selvagem entra na sua vida?

Quando nos vemos como parte da Natureza, então salvá-la é o mesmo que salvarmo-nos a nós próprios. A arte da fotografia tem a capacidade de mover pessoas, de despertar consciências e de promover a compreensão sobre as coisas. Com um pouco de empatia, dá-nos a possibilidade de compreendermos e de partilharmos os nossos sentimentos com os outros. Contando estas histórias tornamos claro o que podemos alcançar quando escolhemos dar prioridade ao mundo natural.

O Planeta Terra é a única casa que temos e o que acontecer a seguir depende de nós. Os desafios são formidáveis mas nunca na História humana houve tanta consciência e oportunidade de transformação. Podemos entender isto, mas é importante que TODOS nós sejamos mensageiros desta informação. Não quero ficar de fora neste processo e a fotografia foi o meio que encontrei de ser parte activa no mesmo.

O que deseja mais profundamente partilhar com o Mundo através das suas imagens?

Estamos numa verdadeira corrida para salvar o planeta. É bom percebermos que podemos desfrutar da sua extraordinária beleza mas para isso também temos a responsabilidade de cuidarmos dele. Há uma verdade universal e estamos todos nesta intrincada rede. Há tantas coisas que nos ligam e nos relacionam uns com os outros, quer o compreendamos quer não, e a perda de espécies tem um efeito devastador sobre os outros animais e também sobre a humanidade. O futuro da Natureza é o futuro de todos nós.

Após a morte do último rinoceronte branco macho, o que temos a aprender?

Estes gigantes são parte de um mundo complexo criado há milhões de anos e a sua sobrevivência está ligada à nossa própria sobrevivência. Sem rinocerontes e elefantes ou qualquer outra espécie selvagem iremos todos sofrer. Que esta seja o momento de  acordarmos…

O que mais podemos aprender olhando o mundo através das lentes de uma máquina fotográfica?

Não tem a ver com as lentes da câmara. Tem a ver com termos curiosidade e empatia. A câmara é apenas o meu veículo.

Há algum continente verdadeiramente especial para si? Onde é que se sente em casa?

Sinto-me em casa em Montana, que é mesmo muito especial!

Enquanto mulher, sente que é mais difícil ou perigoso desenvolver o seu trabalho?

Viajar pelo mundo fora parece muito romântico mas a verdade é que temos de ser emocionalmente fortes e resilientes. Às vezes olho para trás, para experiências que vivi e ainda me espanto por ter conseguido vivê-las e ultrapassá-las. Vivi coisas inimagináveis, muitas vezes sozinha e em condições que por vezes eram absolutamente aterradoras. Tive malária, mas claro que contamos vir a ficar doentes. Os perigos psicológicos são os que mais me assustam. Fui assediada, ameaçada e aprendi depressa que, como mulher, tenho de ser conscienciosa relativamente ao meu trabalho, relativamente ao lugar onde e à forma como o desenvolvo. Não há fotografia alguma que justifique a minha segurança. Sei que todos encontramos obstáculos ao longo da vida e escolhi focar-me nos aspectos positivos. Encontrei a minha voz usando as minhas chamadas “fraquezas” como pontos fortes. Usei o facto de ser introvertida como meu super poder secreto. Ao estar atenta obtive as ferramentas de que necessitava para me tornar uma contadora de histórias e aprendi a usar essas ferramentas para dar força aos outros e para potenciar aquilo que nos liga a todos.

Qual foi o lugar mais especial que visitou?

O lugar mais especial é o presente. Vivo para apreciar o lugar onde estou seja em que momento for. Não depende de viajar, no meu caso. É mais acerca de ser compreensiva e de estabelecer relações que me façam sentir que estou ligada a este mundo.

Já trabalhou em mais de 100 países documentando todo o tipo de histórias. Consegue eleger uma fotografia que a tenha marcado especialmente?

Não consigo escolher. Entre ser atacada por pandas bebés ou conhecer uma manada de elefantes órfãos ou dizer adeus ao Sudan, o último rinoceronte branco macho cuja história cobri ao longo dos últimos dez anos, como conseguiria escolher o momento mais marcante?

O que aprendi, após cobrir os aspectos da humanidade mais sensacionalistas e violentos durante a primeira década da minha carreira, foi que há sempre muito mais do que violência e que cada história tem também um lado muito belo. A resiliência e esperança são incrivelmente grandes nos lugares aparentemente mais desesperados. Ao focar-me apenas na violência, na melhor das hipóteses estava a deixar de lado metade da história e na pior estaria a contar uma mentira porque há muito mais para ser contado. É nossa responsabilidade focarmo-nos não apenas nas coisas que nos afastam mas também nas que nos unem.

Uma reportagem que teve um impacto profundo em mim foi a cobertura dos últimos rinocerontes brancos. Após perceber que esta espécie tão antiga não iria sobreviver à espécie humana e que se encontra funcionalmente extinta com apenas dois exemplares actualmente vivos, mudei o foco para reportagens de vida selvagem e ambiental ainda mais importantes e, no entanto, menos conhecidas. Perder parte da Natureza marca-nos a todos. Actualmente recorro à Natureza como base para falar acerca do nosso lar, do nosso futuro e do lugar para onde nos encaminhamos.

Como se sente ao publicar imagens numa revista tão prestigiada como a National Geographic?

A verdade é que não há assim tantos momentos de brilho e não se trata de fazer viagens atrás de viagens. É verdade que viajo para lugares maravilhosos mas o segredo é aprofundarmos e revelarmos mais do que apenas uma fotografia “exótica”. Mantermos uma reportagem ao longo de anos ajuda-nos a compreender as complexidades, as personagens e coisas que nem sempre são imediatamente óbvias. Sou uma fotógrafa lenta, regresso, regresso sempre. A empatia e o conseguirmos merecer a confiança dos outros é a ferramenta mais importante. Preciso que as pessoas confiem o suficiente em mim para me deixarem fazer parte daqueles momentos especiais. Passo muito tempo a explicar o porquê de estar a fazer o que faço e a razão da sua importância. O truque consiste em conseguir ter acesso a lugares a que mais ninguém tem e o segredo é conhecer o nosso “assunto” melhor do que ninguém. Portanto o meu conselho para aqueles que sonham com isto é que encontrem um tema perto de si – talvez até no quintal das traseiras – e que o tornem seu. Não é necessário viajar para o estrangeiro. O que precisam de fazer é de contar uma história melhor do que ninguém usando a própria perspectiva, que é única. Se encontrarem a sua própria história e se se dedicarem inteiramente, então o primeiro passo para este tipo de carreira já estará dado.

O tipo de trabalho que desenvolvo sempre foi desafiador, mas trabalho para fazer imagens intemporais que tenham uma vida que continue muito além daquelas imagens datadas que se desenvolvem para o voraz circuito noticioso.

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