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Deixamos as Ilhas Faroé e a Gronelândia para outras viagens e nesta senda rumamos ao restante território dinamarquês, à era viking e a um périplo pelo melhor de um dos países com maior índice de felicidade entre os seus habitantes

Fotos: Visit Denmark

Da lenda herdou o nome de um rei assim apelidado, ou eventualmente de três, e que surge mencionado em textos antigos escandinavos. “Dan” é também o prefixo que se refere aos “Danos”, pelo que o consenso não encontra lugar neste debate, havendo ainda quem refira que “Dan” significa “terra plana”, com paralelismo encontrado na maioria de um território onde as elevações são diminutas. O Reino da Dinamarca, no qual se inclui a autónoma Gronelândia, a maior ilha do planeta, e as Ilhas Faroé, localiza-se a sul da Noruega e a sudoeste da Suécia, estabelecendo fronteira com a Alemanha. Monarquia constitucional com um sistema parlamentar, afirma-se, de acordo com o World Happiness Report, publicado pela Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável da ONU, como o segundo país mais feliz de todo Mundo. Num périplo de norte a sul do território, a Travel & Safaris tentou perceber porquê.

Zelândia: Copenhaga

Uma das mais antigas capitais da Europa, Copenhaga conjuga a herança de uma das mais antigas monarquias do mundo com uma arquitectura e um design verdadeiramente progressistas, zonas verdes verdadeiramente encantadoras, experiências gastronómicas absolutamente obrigatórias, actividades ao ar livre e um ambiente realmente leve, fresco e muito animado. Internacionalmente reconhecida como uma cidade muito apetecível não apenas para visitar mas para viver e trabalhar, Copenhaga começou por estabelecer-se no século X como aldeia piscatória viking, ascendendo a capital da Dinamarca no início do século XV. Segunda maior cidade da Escandinávia, ocupa uma extensão de cerca de 90 quilómetros quadrados, representando o centro cultural, económico e governamental do país, com uma rede de transportes invejável e onde se calcula que, todos os dias, os seus habitantes percorram consideráveis distâncias de bicicleta, razão pela qual foi por diversas vezes classificada como uma das melhores cidades do Mundo para quem aprecia este modo de deslocação. Capital moderna e vibrante, guarda também um verdadeiro universo de deslumbre gastronómico (em 2022 a cidade somou cerca de 24 estrelas Michelin com 15 restaurantes), localizando-se aqui o Geranium, que nas mãos de Rasmus Kofoed foi classificado o melhor restaurante do Mundo e cujas reservas implicam uma antecedência de três meses. Entre as ofertas ricas e ecléticas de que a cultura em Copenhaga dispõe será difícil fazer uma selecção. O melhor conselho que poderemos deixar será o de permitir-se que seja a própria cidade a indicar o roteiro mas, seja como for, haverá pontos de visita incontornáveis como o bairro de Christiania, a cidade livre e autorregulada que há cerca de cinquenta anos nasceu dentro da capital dinamarquesa, o Castelo de Rosenborg, o Museu Nacional de Arte da Dinamarca, Nyhavn, o famoso canal mandado construir pelo Rei Christian V no século XVII, os Jardins de Fredericksburg, que claramente representam o parque mais romântico da cidade, e ainda o Castelo de Kronborg, adicionado em 2000 à lista do Património Mundial da UNESCO, e por diversas vezes utilizado como Elsinore, o palco de representações de Hamlet, de Shakespeare, e onde encontramos a estátua de Ogier, o Dinamarquês, (Holger Danske), que segundo narra a lenda ali descansará até que a Dinamarca se veja em grande perigo, alegando assim que o lendário herói um dia se erguerá e salvará a nação. Hans Christian Andersen, também ele dinamarquês e autor de obras eternas como O Patinho Feio, A Vendedeira de Fósforos ou A Roupa Nova do Imperador, imortalizou esta lenda na obra Holger, o Dinamarquês. Copenhaga foi também a cidade onde viveu o famoso filósofo existencialista Kierkegaard e onde nasceu o realizador Lars von Trier, autor dos célebres filmes Europa, Ondas de Paixão e Dogville, entre outros.

Lolland-Falster: Gedser e Mon

Lolland-Falster (nome de duas ilhas separadas apenas pelo estreito de Guldborgsund) é um dos arquipélagos dinamarqueses localizados a sul da Zelândia, com paisagens rurais e pequenas cidades que merecem visita dada a proximidade de boas praias e de Gedser, a região mais a sul do país, de onde se pode seguir rumo à Alemanha por ferry. Lolland é conhecida como a ilha do açúcar, fornecendo este produto para quase toda a Dinamarca. Neste arquipélago destaca-se também a Ilha de Mon, no mar báltico, muito apreciada pelos dinamarqueses em virtude da sua beleza e de algumas das mais dramáticas paisagens do país, dos montes funerários vikings e das suas espectaculares falésias em calcário.

Bornholm: Hammershus, Svaneke e Balka

A leste das restantes ilhas dinamarquesas, Bornholm, ou Boríngia, é uma ilha também localizada no mar báltico conhecida como “a ilha do Sol”. Ali, destaca-se não apenas a beleza paisagística, como as ruínas do Castelo de Hammershus, fortificação medieval considerada como a maior em toda a Europa do Norte. Svaneke foi em 2013 classificada a cidade mais bela da Dinamarca, local ideal para provar o famoso sild (arenque) fumado. Balka é uma das melhores praias da ilha também famosa pelas igrejas redondas próprias do século XVII e inícios do século XVIII.

Funen: Odense e Egeskov

Regressados à Zelândia, a maior ilha do país e em cuja margem fica localizada a capital dinamarquesa, seguimos para Odense, em Funen ou Fiónia, atravessando a Ponte do Grande Belt. Mergulhamos nos contos de Andersen, que ali nasceu em Abril de 1805, filho de uma família muito humilde e cuja casa pode actualmente ser visitada. Na língua original “povoação de Odin” (deus da mitologia nórdica), Odense viu também crescer o compositor Carl Nielsen, oriundo de uma família humilde. Toda esta região foi no passado encarada como sagrada na era viking e na Igreja de São Canuto, ali localizada, ter-se-á cumprido no passado o local de sepultura por excelência da monarquia dinamarquesa. Merecerá certamente uma visita, bem como a restante cidade, que soube conservar o seu passado preservando os casarões da forte burguesia local, sendo nas construções mais simples que, de facto, reside o seu charme que a faz parecer encontrar-se encerrada no tempo. Ainda em Funen visitamos o Castelo de Egeskov, a sul. Com fosso e ponte levadiça, constitui um magnífico exemplo dos luxuosos castelos construídos na Dinamarca durante a “Era de Ouro” e um dos melhores preservados da Renascença da Europa do Norte. Embora ainda seja habitado, abre as portas e os 15 hectares de jardim ao público. Construído em 1554 sobre uma fundação de milhares de troncos de carvalho – daí o seu nome (Floresta de Carvalhos) – narra a lenda que para a sua construção terá sido derrubada uma floresta inteira. Entre outros aspectos magníficos que justificam a sua visita, detém uma impressionante colecção de automóveis antigos.

Jutlândia: Aarhus, Jelling e Ribe

Na Península da Jutlândia, com território dinamarquês e do norte da Alemanha, rumamos até ao centro, à segunda maior cidade do país, Aarhus, onde actualmente habita a população mais jovem da Dinamarca e onde se encontra também a maior universidade de toda a Escandinávia. O seu nome deriva da localização, junto ao Rio Aarhus, tendo sido fundada no início da era viking e representando assim uma das mais antigas cidades do país, juntamente com Ribe e Hedeby. Em 2003, no seguimento de escavações arqueológicas, foram reveladas longhouses, as típicas construções habitacionais vikings que eram compridas e destinadas a ser ocupadas por várias famílias. Vieram à luz do dia outras construções que eram destinadas a erguer grandes fogueiras, contas de vidro vikings e ainda uma estrada datada do final do século VII. Desde a década de 60 do século XX que várias escavações têm reclamado ao passado poços, estradas, casas, oficinas e utensílios do dia-a-dia.

Destino que conjuga a arquitectura moderna (destaque para o design arrojado do complexo cultural Dokk1 e para o edifício Iceberg) e a preservação histórica, como testemunha no museu ao ar livre Den Gamle By, que recria uma pequena vila dinamarquesa do século XIX, Aarhus é também conhecida como a cidade dos sorrisos, valendo a visita também ao ARoS Aarhus Art Museum e ao Panorama Rainbow, ao Jardim Botânico, ao Museu Viking, às ruas medievais do Bairro Latino, ao Palácio Marselisborg e também ao parque homónimo onde é possível alimentarmos veados e gamos nesta que começou por ser uma pequena vila viking há mais de 1230 anos. E por falar em história e na riqueza que dele nos chega, também na Jutlândia, na Região da Dinamarca do Sul, fica a nota para uma visita a Jelling, onde foram reveladas duas pedras rúnicas do século X, tendo sido classificadas Património da Humanidade pela UNESCO em 1994, juntamente com a Igreja de Jelling e os montes funerários do mesmo nome, onde se encontram sepultados o Rei Gormo (que juntamente com o filho Haroldo I terá fundado o reino unificado da Dinamarca) e a sua mulher Thyra, exemplos da transição dinamarquesa da era pagã para a era cristã. Nas pedras podem-se ler as inscrições em nórdico antigo, consistindo uma na mais antiga referência ao nome Dinamarca dentro das próprias fronteiras: “Gorm rei fez erguer em honra de Thyra esposa sua da Dinamarca homenagem”. Se pensarmos que mais de dez séculos passaram sobre esta data e que ainda hoje podemos viajar até àquela época inspirados em toda a mística que as pedras encerram, a viagem até Jelling será, certamente, um acrescento de grande valor ao percurso rumo a este país do norte.

No Sudoeste da Jutlândia, Ribe, onde se ergue a mais antiga catedral do país, é a mais antiga cidade dinamarquesa e de toda a Escandinávia. Fundada em 700, foi um importante centro comercial viking dada a proximidade estratégica que ligava a Escandinávia aos restantes países nórdicos. Na sua memória há também momentos negros, como o incêndio de 1580 que devastou 213 casas e a cheias de 1634 que danificaram profundamente a cidade, tendo no entanto conseguido salvaguardar o charme medieval de que goza e que tão atraente a torna. Claro que também os momentos do passado remoto e o tipo de mentalidade de então tornam este lugar um caudilho de influências e de memórias. Aqui ainda podemos apreciar a velha figura do Guarda Nocturno – armado com a sua lanterna, e cujas histórias serão sempre divertidas de ouvir enquanto realiza a tradicional ronda pelas ruas históricas da cidade. No Ribe Witch Museu Hex, a caça às bruxas é pormenorizadamente narrada, recordando-se os tempos em que este país tanto apostou nesta prática. Visite-se também a placa que recorda Maren Spliid, uma mulher a quem a beleza e a língua afiada custaram uma morte violenta como bruxa, à fogueira, em 1641. A última mulher a sofrer o mesmo desfecho em Ribe seria Anna Bruds, em Abril de 1652, mais de dez anos depois. A proximidade da ilha ao Parque Nacional do Mar de Wadden, com as suas praias de areias brancas, é também um aspecto que incentiva à visita desta região da Dinamarca cuja beleza é absolutamente esmagadora e que se visitarmos durante a Primavera ou o Outono potenciará a observação de um dos mais famosos fenómenos naturais do país, o sort sol, algo muito especial, que ocorre quando centenas de milhares de esturnídeos escurecem o céu ao voar concertadamente uns com os outros.

De um país de onde são originários os célebres vikings que no passado ficaram famosos não apenas pela sua bravura como pela violência e agressividade em combate, viajamos de regresso no tempo para um país extremamente civilizado, tido na contemporaneidade como morada de um dos povos mais felizes e corteses, onde o conceito hygge – aconchego, acolhedor – traduz uma atitude perante a vida, a opção de optar por momentos pessoais de paz, tranquilidade e aconchego, muitas vezes na presença de familiares ou amigos resumindo-se na interiorização de uma harmonia que estabelece inevitavelmente uma maior proximidade com os conceitos de alegria e felicidade. A Dinamarca é tudo isso, uma nação com um passado violento na génese de um povo igualmente bravo que com a história e o tempo evoluiu e se traduz hoje como um dos mais pacíficos, civilizados e felizes e um ponto do mundo absolutamente sedutor.

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