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Agraciado como comendador honorífico da Ordem do Mérito, escalou o “Topo do Mundo” há precisamente 21 anos e mais tarde as 14 mais altas montanhas do planeta. João Garcia é, sem dúvida, um dos nossos viajantes que mais lugares secretos visitou, não só pela dificuldade de acesso aos mesmos e pelo espírito de auto-superação que o seu alcance exige, mas também pela disponibilidade física e moral que a sua alma tão bem soube determinar

Estávamos em 1999 quando o primeiro português conquistou o cume do Evereste sem recurso a oxigénio artificial ou a carregadores de altitude. O País parava para saber em que condições conseguiria João, entretanto perdido na montanha, regressar ao mundo dos banais mortais que não se atrevem a arriscar tamanha proeza. A façanha valeu-lhe o reconhecimento e a satisfação pessoal e nem apesar de desta ascensão terem resultado lesões irreversíveis João se deteve. Poucos anos mais tarde estaria já a escalar as 14 mais altas montanhas do Mundo e a pisar cumes que na realidade só alguns conseguem alcançar. Seguiram-se os Seven Summits. Vinte e um anos passados sobre aquela que é considerada a sua maior conquista, João Garcia mantém a simplicidade e fala de proezas que a nós nos parecem sobre-humanas sem qualquer tipo de arrogância ou superioridade.

Nova Zelândia, uma “learning experience”

Se lhe perguntamos qual é o seu destino de eleição tem alguma dificuldade em responder. “São tantos e tão diversificados… Não existe apenas um lugar, não há ‘o tal’… Tive o privilégio de viajar por vários lugares e de ali desfrutar da Natureza ainda de um modo ‘primitivo’ – caminhando a pé –, e tendo assim a possibilidade de testemunhá-la num estado bruto e de sentir que durante umas semanas fiz parte daqueles lugares que ainda ali ficarão quando, um dia, nos formos todos embora…” Ainda assim, João Garcia destaca a Nova Zelândia como uma “learning experience”. Tive oportunidade de constatar que os neo-zelandeses trabalham o mesmo segmento de mercado que eu de uma óptima maneira, com muita flexibilidade e polivalência, apresentando uma formidável abertura do ponto de vista operacional. Por exemplo, os pontos de venda em qualquer terra, ao domingo, estão todos abertos, ao contrário de nós, em Portugal, que temos tudo fechado. A relação entre o viajante ou o montanhista e quem está lá para nos receber é estupenda. Uma pessoa chega e quando dá por si já está a fazer qualquer coisa.”

Pedestrianismo

Do ponto de vista da beleza paisagística, e sempre sem se afastar da sua área profissional, João aponta França, Suíça e Itália como locais deslumbrantes para a prática do pedestrianismo. “Estão muito mais adiantados do que nós. Esta opção obviamente que tem custos (como a manutenção da sinalização e dos trilhos, por exemplo) mas que acabam por representar um grão de areia no que depois se torna o enorme lucro do trekking ou do hiking. As pistas do esqui de Inverno, por exemplo, são reutilizadas construindo-se trilhos paralelos para a malta do BTT, que salta do teleférico com a bicicleta e depois vem montanha-abaixo sem colidir com os trilhos dos “randonneurs”. Destas viagens também retiro a noção de que estamos muito atrasados, que temos muita coisa por explorar e que na realidade deveria ser preservada, preservação essa que também acaba por nos levar para fora. Quando começo a ver que em Portugal é só proibições, parto para Espanha e acabo por conseguir fazer o que desejava.”

“Se não viajarmos, não passamos da primeira página”

Para João, viajar não apresenta qualquer mistério. “O meu pai era tripulante da TAP e eu habituei-me desde cedo a ver as malas a ser constantemente feitas… Santo Agostinho dizia que “a vida é como um livro. Se não viajamos, não passamos da primeira página”. Podemos sempre comparar este ponto de vista com a nossa vida. “Quando viajamos para realidades distintas que, por exemplo, nos levam a condições inferiores àquelas de que estamos à espera acordamos e lembramo-nos automaticamente que, por exemplo, ter água a sair de uma torneira só porque a abrimos é espectacular. Se tivermos em conta que há muita gente que não tem acesso a este bem de primeira necessidade a nossa perspectiva muda por completo. Passamos a ter uma outra noção da realidade”.

O Nepal como horizonte permanente

Foi a atracção pelos desportos de montanha e de aventura que levaram João Garcia a procurar montanhas mais altas do que a Serra da Estrela. “Fi-lo durante mais de 35 anos e continuo a gostar destas pequenas aventuras que agora desenvolvo” em Portugal. Se lhe pedirmos para eleger um cantinho do Mundo como lugar onde sente pertencer e ao qual se tenha rendido irremediavelmente, não hesita em apontar o Nepal como o país que mais o cativou. “É lá que estão as montanhas mais altas do Mundo e o povo é constituído por pessoas genuínas, simples e boas. Foi lá que aprendi que é na simplicidade que encontramos o melhor caminho para alcançarmos a felicidade. Ao viajarmos começamos a saber relativizar os problemas das nossas vidas aqui neste cantinho esquecido da Europa. ‘Perdemos’ dinheiro e tempo mas ganhamos em experiência e em sensações e em conclusões acerca dessas sensações. A felicidade não é um sítio, é um percurso, no fundo é um dos propósitos da vida. É ao Nepal e aos Alpes que regresso sempre.”

Aprendizagem constante

Na agenda para uma próxima aventura, João tem o Paquistão como destino. “Vou levar um grupo a fazer trekking ao Glaciar de Baltoro, que fica perto do K2, a segunda mais alta montanha do Mundo, com cerca de 8.600 metros de altitude.” Na sua perspectiva, um verdadeiro viajante “tenta integrar-se na sociedade que visita e um turista deixa-se levar pelo programa turístico. Nas minhas viagens acabamos por ser um misto de ambos.” Sem qualquer tipo de arrogância, quando questionado acerca de quem é hoje o João Garcia, após a façanha alcançada no Evereste há cerca de 20 anos, João afirma ter agora noção que “naquela altura eu ainda era um amador e ainda tinha muitos projectos. Subir os 14 picos mais altos do mundo ia exigir tempo e dinheiro e tive de acelerar esse projecto. Se não me tornasse um profissional não ia conseguir. É necessário termos a humildade de perceber que temos sempre muito para aprender. Por exemplo, a nível tecnológico, o equipamento está sempre a mudar e temos de estar constantemente actualizados. Fui para fora de Portugal para ter formação, formação essa que é sempre interminável, pelo que se torna necessário fazer reciclagem dos conhecimentos de seis em seis meses.”

Um destino traçado aos 16 anos

João recorda ainda muito bem a sua primeira viagem, “aos Alpes, com apenas 16 anos, para subir o Monte Branco. Eu era um rebelde e não tinha experiência de montanha. Disse aos meus pais que podia ir lá ter com os meus colegas do clube de montanhismo, mas na realidade eles não me queriam lá porque eu era inexperiente. Para eles foi uma surpresa quando me viram aparecer e dizer que também ia! A dada altura até já faziam comida a contar comigo….” Foi apenas o início de uma grande aventura que iria estender-se num abrir de caminho por mais de cerca de 40 países. João não sabe ao certo em quantos esteve. “Não sei, não coleciono países”, afirma a sorrir. “Sei que para ir a um sítio novo tem de haver uma montanha, tem de haver uma escalada.”

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